O projeto de lei que restaura o voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que tramita com pedido de urgência na Câmara dos Deputados, tranca a pauta da Casa, o que impacta diretamente os rumos de outros temas urgentes, como a reforma tributária e o marco fiscal. Assim como as demais, a pauta tem grande relevância para a economia. Um levantamento realizado pelo Insper revelou que o valor médio de processos resolvidos por voto de qualidade é de R$ 52,19 milhões, enquanto aqueles que contam com maioria ou unanimidade contam com montante médio de R$ 14,2 milhões. A diferença entre os valores é de 3,6 vezes. O estudo também indica que os cofres públicos ficam com 80% dos créditos tributários julgados com a aplicação do voto de qualidade.
Fernando Lima, advogado tributarista sócio do Lavocat Advogados, explica que o voto de qualidade é um mecanismo de desempate de julgamento no Carf que consiste na aplicação de "peso duplo" ao voto do conselheiro presidente da turma, sendo este sempre um representante da Fazenda Nacional. “Tal critério foi extinto após o advento da Lei nº 13.988/2020, assentando nos julgamentos do Carf o princípio de que, em caso de empate no veredito, o contribuinte se sagraria vencedor. Embora esta alteração legislativa seja objeto de discussão sobre a sua constitucionalidade no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o governo federal, desde o início de 2023, vem se movimentando para antecipar a resolução deste cenário antes do julgamento. A primeira tentativa se deu por meio da Medida Provisória nº 1.160/2023, no entanto, além de ter gerado uma enxurrada de ações judiciais debatendo a sua legalidade, acabou não sendo convertida em lei e teve a sua validade extinta em 2 de junho”, explica.
Ex-conselheiro do Carf e sócio do escritório de advocacia Ogawa, Lazzerotti e Baraldi, Caio Cesar Nader Quintella complementa que o que se tem hoje é uma tentativa de reversão da mudança de regra de empate, promovida em 2020 pela Lei nº 13.988/20. “Desde então, ao invés do presidente votar uma segunda vez quando ocorresse empate na votação dos membros do colegiado, o débito tributário passou a ser automaticamente cancelado. O número é sempre par para garantir julgadores de igual número indicados pela Receita Federal e pelas Confederações empresariais. Logo nos primeiros dias de 2023, o governo editou Medida Provisória regatando o voto duplo da Receita Federal, mas não foi convertida a tempo, sendo substituída pelo Projeto de Lei. O que está em jogo é a decisão de quase 20% dos valores em debate no Carf, que são resolvidos por empate, de acordo com estudo do Insper.
Os especialistas ressaltam que, principalmente diante da proposta do Ministro da Fazenda em relação ao arcabouço fiscal, o governo tenta retomar de uma vez por todas o voto de qualidade ao Carf e concentrar seus esforços nas principais pautas econômicas em apreciação, entre elas o arcabouço fiscal e a reforma tributária. Para Quintella, uma solução possível para resolver a questão será um meio termo com o retorno do voto de qualidade do presidente do Fisco, mas com a extinção da multa, da responsabilidade dos sócios e suspensão desse débito no Poder Judiciário.
Relator dá parecer favorável ao voto de qualidade
Como a Jovem Pan mostrou, o relator do projeto de lei do voto de qualidade do Carf, deputado federal Beto Pereira (PSDB-MS) apresentou parecer favorável à medida na tarde desta segunda-feira, 3. "A regra introduzida pela Lei nº 13.988/2020, que favorece o contribuinte em caso de empate no CARF, se mostrou demasiadamente desvantajosa para a Receita Federal do Brasil, especialmente em decorrência da composição paritária do Conselho", escreveu o parlamentar tucano. "Nesse contexto, em que pese a relevância da presença de representantes dos contribuintes no CARF, nos parece que, em caso de impasse no julgamento, a própria administração tributária deve ter um maior protagonismo na fixação do entendimento administrativo relativo à interpretação da legislação tributária e à capitulação do fato imponível", acrescenta Pereira. O PL 2384 tem o apoio do governo, que acompanha de perto a tramitação da proposta, já que a possibilidade de o representante da Fazenda Nacional desempatar as votações dos recursos em favor da União pode ampliar a arrecadação. Segundo estimativas do Ministério da Fazenda, o desempate pode aumentar em R$ 59 bilhões anuais os recursos do governo.
Jovem Pan