Há mais de 70 dias, o sistema federal de ensino superior brasileiro enfrenta um dos maiores embates de sua história. Uma greve deflagrada pelas categorias docente e técnico-administrativa das universidades e institutos federais paralisou as aulas e atividades em 62 instituições, impactando diretamente o futuro de milhares de estudantes.
Após mais de dois meses de paralisação, professores de universidades federais de todo o país decidiram, no último domingo (23), encerrar a greve nacional. A decisão foi tomada em assembleias realizadas em cada estado, com a maioria dos docentes votando a favor da proposta de reajuste salarial apresentada pelo governo federal.
O Comando Nacional de Greve (CNG) do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) durante o encontro, deliberou pela assinatura do acordo com o governo e o encerramento da greve docente em todo o país, com saída unificada até 3 de julho.
Os docentes aceitaram o reajuste de 90% à categoria, em 2025 e 3,5% em 2026. Quanto aos técnicos, o reajuste acatado foi de 9% em 2025 e 5% em 2026. As duas categorias não irão receber aumento em 2024.
No entanto, mesmo com o anúncio do encerramento da greve, na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a situação ainda é incerta. A Associação dos Docentes da Ufal (Adufal) agendou assembleias para a esta semana — segunda-feira (1º) e terça-feira (2) —, para debater e definir se a greve será mantida ou encerrada na instituição.
Já o Sindicato dos Trabalhadores Universidade Federal de Alagoas (Sintufal), decidiu, de forma unânime, em assembleia geral, realizada na última quinta-feira (27), pela assinatura do termo de acordo com o Governo Federal para retornar ao trabalho e pôr fim à greve que já dura mais de 90 dias.
Em nova assembleia geral, realizada no hall do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA/Ufal), a categoria decidiu, na manhã de ontem (1º), pelo retorno ao trabalho na próxima segunda (8).
Vivências de uma estudante em tempos de paralisação
A estudante de Pedagogia, moradora da Residência Universitária (RUA), no Campus A.C. Simões, em Maceió, Alyny Valéria Cardoso Pontes, de 22 anos, compartilha as experiências e reflexões durante o período de paralisação.
Segundo ela, no início da greve, a instabilidade no fornecimento de refeições pelo Restaurante Universitário (RU) causou apreensão entre os estudantes, especialmente aqueles que dependem do serviço para suas principais refeições do dia.
Alyny relembra que, durante a primeira semana da greve, os estudantes precisaram buscar alternativas para se alimentar. "A gente estava tendo que pegar kits para fazer nossas próprias comidas", conta.
Felizmente, a situação se estabilizou com a contratação de uma nova empresa para o RU. A retomada do fornecimento das refeições, incluindo café da manhã, almoço e jantar, trouxe alívio para quem depende do RU.
A estudante ainda relata que a segurança no campus A.C. Simões, que já era precária antes da greve, se tornou ainda mais preocupante durante a paralisação. A redução do movimento de pessoas, especialmente à noite, intensificou a sensação de insegurança entre os estudantes, principalmente as mulheres.
Alyny observa que a ausência de atividades físicas e de interação social, contribuiu para o aumento do estresse, da ansiedade e da sensação de isolamento. "A única coisa que desafiou a gente foi a saúde mental, mas isso independe da greve. Na verdade, com ela se agrava porque a gente fica sem os esportes que ajudam muito nisso", afirma.
"O prejuízo não é apenas para estudantes, é para todo mundo"
Em entrevista ao CadaMinuto, o professor do curso de Jornalismo da Ufal, Victor Braga, critica a postura do governo federal nas negociações com a categoria, classificando-a como inflexível e contraditória.
"O governo tem se mostrado bastante inflexível às nossas demandas. As negociações que estamos levando para a mesa não são apenas sobre questões salariais, mas também de investimento para a educação e reposição de recursos", afirma.
Braga também criticou a postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante encontro com os reitores, afirmando que suas declarações foram contraditórias em relação à sua história na luta sindical. "O presidente Lula apresentou uma postura contraditória com seu passado de lutas, alegando que a greve era injustificável e atrapalhava as atividades".
Apesar dos impactos na comunidade acadêmica, com as atividades de ensino paralisadas, os programas de pós-graduação e projetos de extensão continuam em andamento.
"A greve afeta o trabalho porque virou uma confusão no calendário acadêmico e essa confusão atrapalha. Tanto os estudantes, nessa perspectiva de férias, recesso, etc, mas também para nós. O prejuízo não é apenas para estudantes, é para todo mundo", explica.
Braga ainda critica a disparidade nos reajustes salariais concedidos a diferentes categorias de servidores públicos, questionando a falta de equidade no tratamento dispensado aos docentes.
"Enquanto outras categorias, como a Polícia Rodoviária Federal, receberam bons aumentos no último ano, os professores e técnicos administrativos da educação tiveram reajustes abaixo da inflação", critica.
Reestruturação e realização de concursos públicos
A coordenadora geral do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Alagoas (Sintufal), Nadja Lopes, defende que a Ufal hoje funciona de maneira precária. "Embora o governo tenha sinalizado que irá fazer uma reestruturação sobre o orçamento, ainda continua com muita dificuldade por conta da redução".
Lopes explica que a greve está encaminhando para os seus momentos finais, embora todas as reivindicações não tenham sido atendidas, a exemplo da necessidade de reajuste de 43%, no salário dos servidores técnicos para acompanhar as perdas inflacionárias.
"Nós chegamos a 14% em dois anos, mas tivemos outros ganhos, avanços como o RSC [Reconhecimento de Saberes e Competências], na proposta, o aumento do step [ganho com progressão na carreira] e outros itens mais que a gente já acaba aceitando e levando essa discussão, uma mesa que o governo se propõe a manter aberta para futuras discussões", acrescenta.
Para a coordenadora do Sintufal, a categoria precisa de mais concursos públicos por conta do quadro reduzido, além do aumento de verba para as universidades que vem sofrendo cortes nos últimos anos.
"O que fazer é continuar com a luta, mostrando ao governo a necessidade da melhoria, de incentivos, tanto de reconhecimento do técnico, como professores, como alunos, e ampliar a verba na universidade. Que isso passa a ser uma grande dificuldade, porque nos limita muitas vezes a ampliarmos esse conhecimento, a ampliarmos essa qualidade por conta da redução que nós temos hoje", ressalta.
Melhores condições e mobilizações pela defesa da educação pública
O presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas (Adufal), Jailton Lira, afirma que o Brasil continua sendo um país com imensas desigualdades sociais e econômicas.
Em meio a realidade de universidades sucateadas, professores insatisfeitos e alunos desmotivados, o presidente da Adufal alerta para a continuidade das mobilizações e reivindicações pela defesa de uma educação pública, gratuita, inclusiva e de um ensino superior que forme para a vida, que estimule a pesquisa e a extensão.
"Apesar do encerramento da greve indicado pelo Andes-SN, as pautas apresentadas ao governo federal nos últimos anos permanecem constantes. Entendemos que o fim da greve, no cenário nacional, não significa que essas pautas devem ser secundarizadas, mas que nós precisamos, pelos próximos anos, intensificar a agenda de mobilizações", pontua.
Além disso, Lira explica que a Ufal funciona atualmente com um orçamento precário, muito distante do necessário. Para ele, o total de despesas para o funcionamento básico gira em torno de R$ 74,6 milhões, mas o montante disponível para 2024 é de R$ 57,2 milhões.
"Isso reflete no trabalho docente, no processo de ensino-aprendizagem, no funcionamento administrativo da universidade, entre outros aspectos que podem ser corroborados em vários relatos de estudantes e de toda comunidade acadêmica", destaca.
Além disso, o presidente da associação afirma que em muitas unidades de ensino faltam climatização adequada, equipamentos para projeção de slides, computadores, e afins. "Cada unidade tem suas demandas específicas e todas são válidas e importantes de serem supridas".
Jailton explica ainda que as principais reivindicações da categoria são a reposição das perdas dos últimos seis anos e reajuste para 2024. Além de reajuste linear de 12,8% e 5% para steps até 2026, aumento do valor inicial para carreiras docentes.
E ainda o aumento de 52% no auxílio-alimentação (R$ 1.000), que foi concedido pelo governo, e a revogação de medidas do governo Bolsonaro que afetam o funcionalismo, a exemplo da revogação da Portaria n.º 983/2020 para equiparar docentes da EBTT e do Magistério Superior e da suspensão de recursos judiciais contra o pagamento do RSR para aposentados.
"Quanto ao reajuste salarial, nossa demanda foi atendida somente em parte, pois reivindicamos algum reajuste para 2024 também, mas só foi concedido para 2025 e 2026. De qualquer forma, tivemos avanço: o reajuste linear oferecido até 2026 passou de 9,2% para 12,8%, o reajuste dos steps passou de 4% para 5% até 2026, e o valor salarial para ingressantes na carreira docente (MS e EBTT) também foi elevado", acrescenta Lira.
Crise orçamentária ameaça garantia de funcionamento
A Ufal está à beira do colapso financeiro. Uma crise orçamentária coloca em risco o funcionamento da instituição até o final de 2024, deixando uma sombra de incerteza sobre o futuro da comunidade acadêmica.
Apesar da liberação de um crédito suplementar de R$ 347 milhões pelo Ministério da Educação (MEC), a UFAL recebeu apenas R$ 3,5 milhões desse valor. Essa quantia é insuficiente para custear as despesas básicas da instituição até agosto.
Para operar até dezembro, a UFAL necessita de R$ 36,8 milhões. No entanto, a realidade financeira da instituição é alarmante: os recursos disponíveis para 2024 somam apenas R$ 66,18 milhões, enquanto as despesas programadas já chegam a R$ 70,36 milhões. Esse déficit de R$ 20,97 milhões já compromete o funcionamento normal da UFAL.
A situação se agrava ainda mais quando se considera a necessidade de R$ 15,85 milhões para manutenções críticas, estimados pela Superintendência de Infraestrutura. Some-se a isso o impacto da greve em curso, que afeta tanto os estudantes quanto os servidores, e o cenário se torna ainda mais preocupante.
Apesar da gravidade da situação, a Ufal não se pronunciou oficialmente sobre a crise orçamentária. A reportagem tentou contato com o reitor Josealdo Tonholo, que não atendeu às ligações e nem respondeu as mensagens enviadas. O espaço segue aberto e o texto será atualizado, assim que houver novas informações.