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A COP da justiça climática?

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Neste artigo, Flávia Bellaguarda, fundadora da LACLIMA, fala sobre o evento que fortalece o debate de temas como perdas e danos e adaptação É o vigésimo sétimo ano em que todos os países se reúnem na COP, a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que tem se tornado mais relevante à medida que os efeitos da crise climática são mais frequentes e intensos. Hoje a maior crise do nosso século é essencialmente uma questão geopolítica e já desafia a forma como nossa sociedade é estruturada.

Existe uma construção de narrativa que induz a maioria das pessoas a associarem a mudança climática apenas àquela famosa cena do urso polar em geleiras que estão derretendo, ou a chaminés com gases poluentes sendo emitidos na atmosfera. Essas associações não são errôneas, mas limitantes aos reais impactos gerados pelo aquecimento do planeta Terra. A mudança climática, na verdade, é considerada a maior ameaça aos direitos humanos de todos os tempos, pois intensifica todas as desigualdades sociais existentes.

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A crise climática é uma injusta equação, na qual os países ricos são os que mais emitem gases de efeito estufa, enquanto os países pobres são os que mais sofrem as consequências. Por exemplo, em agosto de 2022, o Paquistão, que contribuiu com 1% das emissões de gases de efeito estufa históricas, teve um terço do país devastado após enfrentar as piores chuvas da história. Passados três meses, ainda existem áreas submersas, surto de dengue e escassez de alimentos. Os mais atingidos nesse cenário tem cor, raça e gênero.

Portanto, humanizar a mudança climática é urgente e necessário!

A depender da sociedade civil organizada, esse tema terá cada vez mais espaço para discussões e ações. No ano passado, a COP 26 em Glasgow ficou famosa pela “Marcha pelo Clima”, na qual centenas de milhares de pessoas clamaram por justiça climática, enquanto os corredores da conferência eram preenchidos por enormes delegações de jovens, negros, indígenas, quilombolas, periféricos. Esse fortalecimento da pauta da justiça climática ao longo dos últimos anos e principalmente na última conferência vai culminar numa COP 27 com a sociedade civil inovando, em “pavilhões” de debates inéditos, como o pavilhão da criança e do adolescente - no qual os jovens pela primeira vez terão um assento à mesa com a possibilidade de realizar discussões e briefings durante as negociações -, o pavilhão da justiça climática e o pavilhão dos sistemas alimentares, este um tema caro especialmente para o continente africano.

Será a quarta vez na história em que uma COP acontece na África, em comparação com 14 conferências que aconteceram na Europa. O fato de o evento ocorrer no Sul Global fortalece o debate de temas como perdas e danos e adaptação, sendo assim considerada a COP dos Vulneráveis. Entretanto, é importante lembrar que a COP 27 está sob o governo de Abdel Fattah Al-Sisi, que é uma ditadura que vem impondo fortes restrições à liberdade de expressão, dificultando assim qualquer mobilização social e servindo de alerta para que as delegações das juventudes sejam cautelosas em fazer qualquer ação fora da área designada para a conferência.

Enquanto a sociedade civil desempenha um papel fundamental e relevante para o fortalecimento da justiça climática na COP 27, os corredores das negociações anunciam poucas mudanças. Existe uma expectativa e pressão dos países em desenvolvimento para que a agenda de perdas e danos seja priorizada, e que as nações mais ricas não se limitem às declarações protocolares de solidariedade, mas sim se comprometam com a criação de um fundo para perdas e danos para compensar aqueles que já sofrem perdas econômicas, sociais e humanas em razão dos eventos climáticos extremos

Somando a pressão para encaminhamentos concretos em perdas e danos, um outro tópico que será muito abordado na COP27 é o balanço global da efetividade do acordo de Paris. Estamos na década mais importante para implementação concreta e efetiva de ações climáticas, e sem a devida fiscalização fica inviável sabermos se o mundo está caminhando de forma ambiciosa rumo a descarbonização, e se medidas de adaptação também estão sendo incluídas no monitoramento, incorporando de forma transversal a lente da justiça climática.

É prematuro afirmar que a COP 27 será a conferência da justiça climática. Afinal, os desfechos dependem de muita articulação política, e esse tema é apenas transversal no debate. O próprio Acordo de Paris faz apenas uma única menção à justiça climática em seu preâmbulo. Entretanto, temos uma atuação muito forte da sociedade civil, que tem conseguido fazer sua voz ser ouvida, o que tem influenciado para promover uma certa pressão durante as negociações em COPs anteriores.

Porém, independentemente da COP 27, é importante o que nós faremos após ela na perspectiva da justiça climática. A lente transversal que a justiça climática nos proporciona é fundamental para a construção de uma sociedade regenerativa, adaptativa e resiliente. E não incorporar essa perspectiva no cerne das políticas públicas e do debate sobre clima pode refletir uma negligência e irresponsabilidade com os verdadeiros perdedores da crise climática.

Sobre a autora:

Flávia Bellaguarda é fundadora da LACLIMA (primeira rede de juristas para a mudança climática do Brasil e da América Latina) e gerente de relações institucionais no Centro Brasil no Clima. Flávia possui bacharel em direito, é advogada pelo clima, especialista em Justiça Climática pela University of Birmingham UK e especialista em Sustentabilidade e Inovação Transformadora pela Schumacher College.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

Flávia Bellaguarda é fundadora da LACLIMA e gerente de relações institucionais no Centro Brasil no Clima.

Divulgação

Fonte: Valor Invest

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