Nomes como Raphael Bostic, presidente do Fed de Atlanta, e Paul Krugman, prêmio Nobel e professor de economia no Centro de Pós-Graduação da Universidade de NY, comentam a situação atual da economia global Em meio ao crescente temor sobre os riscos de recessão no mundo provocados por múltiplos choques de impacto global — guerra na Ucrânia, novas variantes do coronavírus, choque de preços de alimentos e energia e tensão em Taiwan — especialistas apontam quais os maiores riscos à economia, na opinião deles. Suas respostas foram editadas, para fins de clareza e espaço.
Laurence Boone, secretária francesa de Estado de Assuntos Europeus
O maior risco econômico enfrentado hoje pelo mundo e, em particular, pela Europa é a crise de energia e alimentos. Primeiramente, um aumento enorme nos preços torna [a energia e os alimentos] inacessíveis para muitas pessoas, não apenas para as mais pobres, mas também para as de classe média baixa. Uma segunda consequência será o maior risco de fome no Oriente Médio e na África e a falta de fontes de energia não apenas neste inverno [europeu, no fim do ano], mas também no próximo. Isso eleva o risco de turbulência social na Europa. No Oriente Médio e África, vimos há dez anos a Primavera Árabe, e sabemos como isso levou a muitas turbulências sociais e políticas.
Raphael Bostic, presidente do Federal Reserve de Atlanta (unidade regional do Fed, o banco central dos EUA)
O maior risco econômico é que os consumidores dos Estados Unidos comecem a acreditar que os preços continuarão em alta e comecem tomar decisões de gastos com base nessa suposição. Embora não vejamos um descolamento das expectativas, quanto mais tempo os níveis da inflação continuarem altos, maior é esse risco. O Fed está fazendo tudo o que pode para evitar que os preços altos fiquem entrincheirados.
Maurice Obstfeld, professor de economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI)
A comunidade mundial se depara com uma degradação ambiental generalizada e em aceleração, que inclui ameaças inter-relacionadas, desde as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade até o desmatamento e a difusão de microplásticos nos oceanos e na água potável. O agravamento das ameaças patogênicas é apenas um dos sintomas da colisão da humanidade com os limites do planeta. Enquanto isso, nossos sistemas políticos nacionais e mecanismos de governança globais parecem cada vez mais incapazes de estar à altura dos riscos existenciais que enfrentamos. Nenhum lugar ilustra melhor os obstáculos à ação do que os Estados Unidos, onde o fortalecimento do controle do governo por parte de uma minoria política que só olha para si mesma — e para trás — está corroendo qualquer esperança de que medidas políticas nacionais ou uma liderança global ascendam à altura dos desafios da modernidade.
Pete Linforth/Pixabay
Tidjane Thiam, presidente executivo da Freedom Acquisition I Corp e ex-executivo-chefe do Credit Suisse Group
O maior risco neste ponto do ciclo é o risco de erros de política econômica. Será uma tarefa delicada encontrar a combinação certa de medidas que reduzam a inflação sem desencadear uma longa e profunda recessão e que tornem as cadeias de abastecimento pelo mundo mais resilientes sem sacrificar os principais benefícios que extraímos da globalização e do livre comércio.
Frederic Neumann, economista-chefe da Ásia no HSBC Holdings
O maior risco econômico é uma “estagflação” de tipo grave, em que os preços sobem de forma rápida e persistente, ao mesmo tempo que o mundo é arrastado para uma profunda recessão. Nesse cenário, os bancos centrais estariam de mãos amarradas, incapazes de amortecer o tombo do crescimento, exacerbando, portanto, o estresse financeiro com altas taxas de juros. Não estamos perto desse cenário, mas tal ocorrência se tornou pelo menos concebível e, dessa forma, parece que os investidores estão começando a olhar para a possibilidade de termos esse risco raro (tail-risk).
William Maloney, economista-chefe para a região da América Latina e Caribe no Banco Mundial
Temos uma tendência a olhar para as coisas no curto prazo, mas quando passamos a esperar índices de crescimento bastante baixos daqui para frente, temos um problema mais duradouro. Estou muito mais preocupado com o um ano e meio de educação que se perdeu durante a pandemia. Toda a região simplesmente não está preparada em termos educacionais para o tipo de tecnologia que está por vir. Um terço dos estudantes da região atendem somente os padrões mínimos em ciência e tecnologia, então, de onde surgirão os empreendedores de alta tecnologia? Temos cerca de 30% das empresas dizendo que não conseguem a força de trabalho de que precisam, e isso se compara a [uma porcentagem de] 20% no mundo.
Ernesto Revilla, economista-chefe para a América Latina do Citigroup
No curto prazo, estou preocupado com o Fed. Nos próximos 12 a 18 meses, será dali que virão muitos dos riscos para a América Latina. Estou preocupado com a possibilidade de termos um crescimento mais baixo e uma inflação mais alta. No médio prazo, estou preocupado se a região será capaz de encontrar um novo enredo de crescimento. Estamos nos encaminhando a um mundo com um cenário externo mais desafiador, com a China crescendo menos e, em termos gerais, com menos globalização. Então, o que impulsionará o crescimento na América Latina?
Anna Gifty Opoku-Agyeman, cofundadora do Sadie Collective, organização sem fins lucrativos que lida com a sub-representação das mulheres negras na economia, finanças e política
Para mim, o que continua sendo um dos maiores riscos econômicos à frente é a falta de consideração no que se refere aos negros e pardos na elaboração de políticas econômicas. Deixar de levar em conta como esses grupos vulneráveis lidarão com as realidades econômicas que se aproximam e as que já estão presentes — inflação crescente e iminente recessão — acabará custando caro a todos, ao mesmo tempo em que exacerbará ainda mais as desigualdades existentes que prejudicarão ainda mais qualquer progresso que fizermos. Vimos isso lá em 2009, quando os esforços em prol da retomada econômica deixaram de fora as mulheres negras, cuja taxa de desemprego aumentou. Espero que não cometamos o mesmo erro novamente.
Paul Krugman, prêmio Nobel e professor de economia no Centro de Pós-Graduação da Universidade da Cidade de Nova York
A longo prazo sempre haverá coisas horríveis, como mudanças climáticas e guerras e tudo mais. Mas, no curto prazo, acho que o maior risco é que o Fed exagere na dose e pise no freio com muita força.
Agustín Carstens, gerente-geral do Banco de Compensações Internacionais (BIS)
A questão principal é a incerteza e o cenário geopolítico. Um choque do petróleo muito mais longo dificultaria a recuperação econômica, levando a uma situação em que a inflação será controlada, mas a um custo maior [do que o benefício]. No médio prazo, o desafio é começar a debater o que fará as economias voltarem a crescer. Estamos atolados em uma situação na qual havia demasiada dependência de condições financeiras favoráveis, como as políticas fiscais e monetárias, que são boas enquanto você consegue mantê-las, mas que não promovem um crescimento sustentável. Precisamos reforçar o debate dos problemas estruturais.
Trevon Logan, professor de economia na Universidade Ohio State
O maior risco econômico é a inflação. Primeiro, para todo mundo, a alta nos preços corrói nosso poder de compra. Isso afeta consumidores e pode travar o crescimento, à medida que eles são obrigados a reduzir o consumo. O segundo risco é que a resposta monetária habitual à inflação — aumento das taxas de juros do Fed e aperto da política monetária — pode enfraquecer a demanda e também aumentar o desemprego. O terceiro risco está relacionado aos dois primeiros: a economia está bastante diferente ao que era no fim dos anos 1970 e começo dos anos 1980. Temos menos certeza de como uma política monetária contracionista funcionaria nesta economia atual — será que reduzirá a demanda de forma suficiente a acabar com a inflação? Acho que a resposta é sim, mas o que não se sabe é como será essa política em detalhes. Qual teria que ser a taxa do Fed, dado o aumento na concentração de mercado e a crescente evidência de monopsônio no mercado de trabalho? Esse é um risco relativo às políticas econômicas — o de que possamos ser moderados demais ou agressivos demais, e grandes erros em qualquer direção teriam grande impacto no bem-estar material das famílias assalariadas.
Mugur Isarescu, presidente do Banco Nacional da Romênia desde 2000 e mais antigo presidente de banco central no mundo
A estagflação é o maior risco econômico. Nos anos 1970, eu era um jovem analista econômico e me lembro desse período de estagflação muito bem. Naquela época, durou dez anos. O choque na época, acho eu, foi um pouco maior. De um preço do petróleo de US$ 1 por barril, saltamos para US$ 10 no fim de 1972. Do ponto de vista das teorias econômicas, fiscais e monetárias, não é fácil superar um choque que desencadeia inflação e, ao mesmo tempo, recessão. Estamos todos tentando encontrar soluções. Elevar as taxas de juros rapidamente de 16% a 20% não é uma delas, mas reduzir as taxas de juros quando a inflação está em alta, como alguns de nossos vizinhos ao sul estão fazendo, também não. Provavelmente a calibragem de uma política fiscal correta e de medidas estruturais pode nos levar a uma situação que leve à convergência da taxa referencial de juros e do índice de inflação. Mas evitar uma recessão será algo muito difícil de conseguir em nível global.
Karen Ward, estrategista-chefe de mercado para a Europa, Oriente Médio e África na JPMorgan Asset Management e ex-assessora econômica do Ministério das Finanças do Reino Unido
O maior risco é que a desaceleração da atividade não desacelere a inflação. Desde que a demanda enfraquecida leve à redução nos preços ao consumidor e na inflação salarial, os bancos centrais não precisarão pisar no freio com tanta força e terão condições de tentar arquitetar um pouso suave. Mas se a inflação se mantiver elevada, a desaceleração terá que ser mais significativa e prolongada para expulsar a inflação do sistema. O risco nesse cenário é que isso crie um conflito entre governos e bancos centrais. O melhor “risco positivo” seria se a combinação entre a falta de mão de obra no mercado de trabalho e o desafio das fontes de energia desencadear um aumento maciço nos investimentos, o que levaria a um renascimento da produtividade.
Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC)
O maior risco econômico à frente é a continuidade da guerra na Ucrânia.
Dana Peterson, economista-chefe do Conference Board
A maior ameaça para a economia dos EUA é uma recessão induzida pelo aperto monetário do Fed em reação à alta inflação. O Conference Board agora prevê uma recessão curta, porém superficial, nos EUA no fim deste ano. Isso seria ancorado por períodos de estagflação — baixo crescimento e alta inflação. A perspectiva é reflexo de um Fed mais agressivo contra a inflação, incluindo aumentos mais altos e mais rápidos da taxa de juros rumo a um território contracionista — ou seja, superior a 3% — neste ano. (Tradução de Sabino Ahumada)
Fonte: Valor Invest