O Projeto de Lei 1904/2024, que equipara o aborto acima de 22 semanas ao crime de homicídio, levanta o debate sobre um tema que é abordado de diferentes formas em cada país. Ilmar Muniz, professor de Direito Constitucional e Penal, considera que o Projeto de Lei em questão vai na contramão de uma tendência global de tornar o aborto uma questão de saúde pública e não, meramente penal.
"O PL prevê a punição da mulher, mesmo em casos do aborto legal após o crime do estupro, equiparando a mulher que cometer o aborto após ser abusada ao homicídio, com pena de 6 a 20 anos, ou seja, superior ao próprio abusador. Então o PL demonstra uma contramão do que o Brasil já vinha seguindo e debatendo."
A ONG Internacional Centro para Direitos Reprodutivos mostra que há uma tendência predominante, no mundo, de liberalização das leis sobre o aborto. Seis em cada 10 mulheres do planeta vivem em países onde o aborto é considerado amplamente legal. Essa proporção é consequência da flexibilização, nas últimas três décadas, quando mais de 60 países liberalizaram as leis sobre o aborto, como explica a antropóloga Débora Diniz.
"Países que criminalizavam integralmente o aborto há pouco mais de uma década, como a Colômbia, revisaram suas legislações. A Argentina descriminalizou o aborto. O Uruguai descriminalizou o aborto. Então o Brasil está numa tendência - global e regional - na contramão do que a Organização Mundial de Saúde compreende como uma necessidade de revisar as leis criminais para proteção à saude".
Apenas quatro países reverteram recentemente a legalidade do aborto: Estados Unidos, El Salvador, Nicarágua e Polônia. 77 países permitem o aborto, com diferentes limites gestacionais, mediante a simples vontade da mulher. Um deles é a França, que incluiu esse direito na constituição em março deste ano. Por lá, o presidente francês, Emanuel Macron disse apoiar a ampliação para toda a União Europeia.
Nessa escala, 12 países permitem o aborto por razões sociais ou econômicas, ou motivos específicos, como a gravidez como resultado de um estupro ou determinados diagnósticos fetais. Nesse segundo grupo de países estão Inglaterra, Índia e Japão.
Em terceiro lugar, em 47 países, o aborto é permitido quando a gravidez representa risco à saúde. Alguns deles, incluem ameaças à saúde mental, como Arábia Saudita e Paquistão.
Atualmente, o Brasil está na quarta categoria, ao lado do Irã, Afeganistão, Sudão e Somália. Esses, e outros 40 países, têm em comum o aborto permitido, de forma geral, em casos de risco à vida da gestante. Atualmente, só há mais duas situações em que as mulheres que passam pelo aborto no Brasil não são ameaçadas de prisão: estupro ou anencefalia do feto.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto mais recente, uma em cada sete brasileiras com até 40 anos já abortou pelo menos uma vez. Mais da metade tinha 19 anos ou menos, quando fizeram o primeiro procedimento. Além disso, 43% das mulheres que tentaram abortar, foram hospitalizadas para finalizar a ação.
Já na quinta categoria, Nicarágua, Congo e Iraque são alguns dos 21 países onde o aborto é proibido em qualquer hipótese.
De acordo com a antropóloga Débora Diniz, a experiência internacional mostra que, nos locais em que o aborto foi descriminalizado, a quantidade de abortos realizados diminuiu.
"Quando o aborto é descriminalizado, essa mulher fala a verdade do que está acontecendo na vida dela. Ela conta que está sofrendo violência e ela pode receber ajuda. Ela não está com medo de ser punida. Ela fala a verdade de que ela está usando de maneira equivocada os métodos. Nas escolas pode-se ter educação sexual para ajudar uma menina a identificar que o que ela vive é uma situação de violência. Há um conjunto de coisas que se alteram para que o aborto termine por ser um evento mais raro do que ele é quando é feito como crime. Porque junto com o crime vem o estigma, vem o segredo, vem a clandestinade e nós temos dificuldades de prevenir o aborto".
De acordo com o Centro para Direitos Reprodutivos, quase 40 mil mulheres morrem em todo mundo, a cada ano, por causa de abortos realizados em condições de insegurança.
Fonte: Agência Brasil