Para marcar e celebrar as sete semanas entre o Dia Internacional de Combate à Homofobia, comemorado em 17 de maio, e o Dia Internacional do Orgulho LGBT, em 28 de junho, a Radioagência Nacional publica o podcast Transformando as Artes. Neste primeiro episódio, conheça a trajetória da atriz Divina Valéria. Aos 79 anos de idade e com 60 de carreira, a artista passou por teatros, pela televisão e tem trabalhos recentes no cinema.
Em uma época em que o Estado perseguia travestis apenas por existirem, foi na arte que Divina Valéria, uma das artistas travestis mais conhecidas e respeitadas do Brasil encontrou um espaço para ser quem era. Durante a ditadura militar no Brasil, ela estreou como cantora na noite carioca e integrou o espetáculo Les Girls, um marco para a cena trans e que ganhou visibilidade no Brasil e fora.
Serão sete episódios, um por semana, publicados sempre às sextas-feiras, com sete entrevistas feitas pela Agência Brasil com artistas transgêneros, que vão desde precursoras do transformismo até revelações da atual cena artista musical e do audiovisual.
Além de muita arte, as entrevistas revelam os sentimentos, lutas e conquistas que essa parte da população ainda enfrenta no país que mais mata pessoas trans no mundo.
Algumas entrevistas já foram publicadas pela Agência Brasil, como parte das comemorações do Dia da Visibilidade Trans, em 29 de janeiro . Agora, trazemos a proposta revista e ampliada para os ouvintes da Radioagência, que terão a oportunidade de conferir as entrevistas completas em áudio, além do bônus com uma artista que não integrou a série original da Agência Brasil.
PODCAST TRANSFORMANDO AS ARTES
SOBE SOM PRECISO ME ENCONTRAR – LINIKER🎶
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
CAI A BG🎶
EPISÓDIO 1: DIVINA VALÉRIA
DIVINA: Eu tinha me travestido em bailes de carnaval, né? Sempre, todo ano, me travestia para o baile de carnaval, não diariamente. E aí, quando eu fui convidada para esse espetáculo, eu continuava a me travestir no palco. Fora do palco, andava de menininho. Entende? Porque era época de ditadura, 64 e tudo, não era permitido estarmos vestidas de mulher no meio da rua, era só no palco. Mas isso não impediu de que eu dedicasse totalmente ao trabalho, e esse trabalho teve uma repercussão muito grande, que viajou não só para o Brasil, como para o exterior.
SOBE SOM PRECISO ME ENCONTRAR – LINIKER🎶
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar
CAI A BG
MARIANA: Em uma época em que o Estado perseguia travestis apenas por existirem, foi na arte que Divina Valéria, uma das artistas travestis mais conhecidas e respeitadas do Brasil encontrou um espaço para ser quem era. Durante a ditadura militar no Brasil, ela estreou como cantora na noite carioca e integrou o espetáculo Les Girls, um marco para a cena trans e que ganhou visibilidade no Brasil e fora.
Eu sou Mariana Tokarnia, repórter da Agência Brasil, e trazemos para este podcast as entrevistas da série especial Transformando as Artes, na qual conversamos com homens e mulheres trans que dedicam as vidas a variados ramos artísticos. Serão sete episódios, com representantes que vão das artes cênicas, música, literatura até os quadrinhos. As publicações serão sempre às sextas-feiras, com sete semanas desde o Dia Internacional Contra a Homofobia, comemorado em 17 de maio, até o Dia Internacional do Orgulho LGBT, celebrado em 28 de junho.
Neste primeiro episódio, conheça a trajetória da atriz Divina Valéria. Aos 79 anos de idade e com 60 de carreira, a artista passou por teatros, pela televisão e tem trabalhos recentes no cinema.
SOBE SOM🎶
MARIANA: Eu acho que a gente pode começar falando, eu queria que a senhora me dissesse o que é a arte para a senhora.
DIVINA: A arte para mim é tudo. Eu vivo da arte a minha vida inteira. Eu sempre vivi da arte. Eu mesmo sendo uma travesti, eu vivi da arte, não do transformismo.
MARIANA:Sim. E a senhora tem uma trajetória gigante, né, tanto no teatro quanto, claro, nos anos 60 o transformismo, depois teatro, depois tanta coisa, né, Divina?
DIVINA: E também pelo mundo, né?
MARIANA: E pelo mundo. Falando um pouquinho lá da década de 60, né, o que que era ser transformista nessa época? Como é que você começa ali sua carreira?
DIVINA: Meu amor, olha, naquela época tudo foi um pouco assim, tudo muito natural, porque aconteceu de que eu nem nunca pensava em fazer travesti nem nada, quando de repente eu fui convidada para um espetáculo que era somente de travesti, que era uma grande produção de Meira Guimarães, João Roberto Kelly, Luiz Haroldo, uma grande produção. E é onde eu fui convidada e esse espetáculo se chamava Les Girls. Aí estreamos, éramos 11 artistas e foi um boom no Brasil inteiro durante algum tempo, alguns anos.
MARIANA:E quando que a senhora de fato assume mesmo, né, essa transexualidade e isso passa a fazer parte do dia a dia?
DIVINA: Ah, do dia a dia eu assumi em Paris.
MARIANA: Ainda durante a ditadura, né, Divina?
DIVINA: É, era ditadura. Eu assumi em 70, quando eu cheguei em Paris, entende? Que eu assumi a viver totalmente de mulher, totalmente minha personalidade feminina que afluía muito mais em mim. E foi em Paris que tudo isso começou. Porque eu, chegando lá, eu fui trabalhar no Carrossel de Paris, aonde tinha as travestis mais famosas e mais bonitas do mundo. E eu fui trabalhar nessa casa e, logicamente, ali com elas, eu peguei todo o know-how e também me transformei numa a mais.
MARIANA: E a senhora contou que viveu essa época de repressão no Brasil, né, durante a ditadura. Como é que era nessa época, em que era proibido, né?
DIVINA: Era proibido, mas eu vivia igual, fazia igual, continuava fazendo espetáculo, não fomos proibidas para nada, não se meteram conosco, a ditadura. Eu estreei em 64, junto com a ditadura, e nós ficamos mais de dois, três, quatro anos com o espetáculo. A ditadura não se meteu conosco, não. Nós não estávamos metidos com política, com nada, então não teve problema.
MARIANA: E Divina, olhando toda a sua trajetória, né, quais são hoje, quais eram as suas principais referências nas artes?
DIVINA: Ah, meu amor! Primeiro foram as grandes estrelas de Hollywood. Desde minha adolescência eram as estrelas de Hollywood. Eu tinha aquele álbum que a gente juntava figurinha com as figuras de Hollywood maravilhosas, Ava Garni, Greta Garbo e tantas maravilhosas da época, né? Então eu sempre gostei muito desse mundo das grandes estrelas cinematográficas, acompanhei tudo isso na minha juventude, conheço muito a vida, um pouco, de quase todas elas, porque eu tive, li livros sobre elas e tudo, as que mais me fascinavam como Judy Garland por exemplo, que é meu grande ídolo. Bem, foi esse mundo que eu vivi, conheci e conheço bem.
MARIANA: E quando você começa a atuar, né, de fato, televisão, etc, né, como é também essas outras artes?
DIVINA: Bem, eu acho que a arte engloba tudo. Tudo isso é um pouco uma coisa leva a outra. Televisão, cinema, teatro. O importante é interpretar bem, é viver a personagem por verdade, se transformar em outra pessoa, viver uma outra pessoa. Sempre tem que ser um pouco assim. E foi sempre o que eu fiz, seja em novela, teatro, cinema.
MARIANA: E como é que a senhora vê hoje o espaço das pessoas trans e travestis no cinema, na televisão, né, nas artes em geral?
DIVINA: Eu acho que ganharam muito espaço. Eu tenho visto algumas, até mesmo como diretoras e tudo, ganharam bastante espaço, eu acho. Eu acho ótimo, porque tem muitas com muito talento.
MARIANA: E a senhora acha que mudou o cenário do Brasil, né, desde a década de 60, que a senhora falou que não se travestia na rua no dia a dia porque não era uma coisa permitida. A senhora acha que hoje a gente está num cenário diferente? Como é que a senhora vê hoje?
DIVINA: Olha, para mim foi sempre igual, porque mesmo naquela época eu era audaciosa, vivia como eu queria, fazia o que eu queria, já estava viajando pelo mundo. Então, para mim não teve muito problema, não. Eu acho que tudo também é questão de dignidade e postura.
MARIANA:Tem algum trabalho seu, assim, que você gostou mais, assim, que é preferido na sua carreira?
DIVINA: Tem alguma coisa... um espetáculo que eu fiz em teatro, que chamava-se Hematoma Blues, da diretora Aninha Franco, que também é uma dramaturga. Eu gostei muito de ter feito esse trabalho. Gostei muito também de ter feito um filme que se chama Nada Somos, que é um filme com quatro histórias, onde eu sou uma das histórias, que é da produtora lá da Carol Benjamin, que trabalha com a Leandra Leal, é da Atenasa. E agora eu fiz um outro filme aonde eu vivo uma performance, que eu vivo uma mulher de quase 100 anos, matriarca de uma ilha, não tem nada a ver com a Divina Valéria, que é a Mama Gaia, a matriarca da ilha. Se chama Alice Júnior 2 - Férias de Verão, porque é o segundo filme da série. Eu não estava no primeiro, só estou nesse segundo, de Gil Barone.
MARIANA: E por que você gosta desses três trabalhos? O que eles tiveram assim que...
DIVINA: Eu gosto dos três que eu acho que um não tem nada a ver com o outro. Eu vivo três personagens diferentes em cada filme, isso eu acho ótimo.
MARIANA: O cinema permite isso, né? A gente ser pessoas completamente diferentes, né?
DIVINA: Lógico. Eu fiz o Cavalo Marinho do diretor pernambucano Léo Tabosa, que deve ir agora pro Festival de Gramado, que se chama Cavalo Marinho, com Tuca Andrada e tudo, e que também foi muito maravilhoso. Filmamos no Ceará. Ele deve estar no Festival de Gramado esse ano, se Deus quiser.
MARIANA: Que legal. Então é isso, né? A senhora gosta de personagens diferentes.
DIVINA: É, lógico. É bom viver personagens diferentes, né? Fazer a Divina Valéria eu já faço as 24 horas do dia.
MARIANA: E como você define a Divina Valéria? Quem é a Divina Valéria?
DIVINA: A Divina Valéria é uma pessoa como todo mundo, com momentos felizes, momentos menos felizes, com uma vida um pouco atribulada, porque a vida artística é um pouco assim. Seja muita viagem, seja às vezes financeiramente, às vezes está com muito dinheiro, às vezes não está com nada. É vida de artista, é uma corda bamba, mas é a vida que eu gosto de viver e que eu já vivo isso vai fazer 60 anos agora, 2024.
MARIANA: E, Divina, tem algum papel que você ainda tem muita vontade de fazer?
DIVINA: Ah, sempre existe alguma coisa assim, né, que a gente gostaria de fazer, sei lá, naturalmente que existe, assim, no momento eu não me lembro, mas eu gostaria de fazer alguma coisa meio dramática. Bem a Glória Swanson em Sunset Boulevard - Crepúsculo dos Deuses. Um personagem talvez mais forte, né? Sempre uma personagem que não seja a Divina Valéria.
MARIANA: Tá bom, Divina, acho que é isso. Olha, muitíssimo obrigada, viu?
DIVINA: E você, olha, o meu livro da minha vida está na Amazon, que tem a minha biografia, Divina Valéria.
MARIANA: Sim, perfeito. Divina, muito obrigada, viu? Obrigada mesmo pelo seu tempo.
DIVINA: Tá, meu amor. Então, tudo de bom pra você e foi um prazer.
SOBE SOM LUA DESERTA - FILIPE CATTO
Chova dourada
Lua deserta
O nascimento de Vênus
CAI A BG 🎶
CRÉDITOS:
MARIANA: Este foi o primeiro episódio do Podcast Transformando as Artes. Uma produção da Radioagência Nacional em parceria com a Agência Brasil.
Adaptação, edição, roteiro e montagem de Akemi Nitahara
Revisão, coordenação de processos e implementação web de Beatriz Arcoverde
Gravação de Virgílio dos Santos
Versão em Libras da equipe de tradução da EBC
Utilizamos as músicas Preciso me encontrar, de Candeia, na voz de Liniker acompanhada de Ilú Obá De Min, e Lua Deserta, de Filipe Catto.
A produção também está disponível nas plataformas de áudio e com interpretação de libras no Youtube. No próximo episódio, você confere a entrevista com o poeta Preto Théo.
SOBE SOM FILIPE CATTO
ENCERRAMENTO DA TRILHA DOS CRÉDITOS 🎶
Sobe som 🎶
Em breveLeitura em inglês de recortes de jornal | Pedro Lacerda |
Tradução de Recortes de Jornal | Luciano Barroso |
Destaques de vozes na vinheta do podcast | Marli Arboleia e Sayonara Moreno |
Trilha de abertura e encerramento | Nelson também interpretou os trechos da música Cartas Celestes 2, do Almeida Prado, que aparecem na abertura e aqui no encerramento. Obrigada, Nelson! |
Agradecimentos | Elaine Patrícia Cruz, Dorgival Vieira, Mônica Horta e Cláudia Costa |
Fonte: Agência Brasil