Apesar disso, o cenário não aponta para uma falta de crédito, afirmaram os analistas Bruno Mendonça, Gustavo Schroden, Pedro Lobato e Eric Ito, que assinaram um profundo relatório do banco sobre o setor.
O estudo se debruçou sobre a carteira de crédito baseada em recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), que tradicionalmente é usada para financiar imóveis de médio e alto padrão. Não entraram aqui os financiamentos para imóveis populares, dentro do Minha Casa Minha Vida, que são abastecidos pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Os analistas diagnosticaram que a carteira de crédito imobiliário dos cinco principais bancos do setor (Caixa Econômica Federal, Itaú, Bradesco, Santander e Banco do Brasil) no fim de 2023 era composta, em média, por 27% de recursos com origem fora das cadernetas, o que implica em um custo maior para as transações e menor capacidade de tomada de crédito pelos consumidores e pelas empresas.
O nome técnico para esse "inchaço" é "sobreaplicação" ou "sobrealoção". Independente do nome, trata-se de um crescimento relevante em relação a 2022, quando este foi de 18%. O patamar de 2023 quase alcançou o pico histórico de 28%, registrado em 2015, quando o País estava em recessão, com juros subindo, e os financiamentos para habitação tiveram uma das maiores secas da história.
Vale lembrar que funciona assim: as regras do Banco Central determinam que 65% dos depósitos das cadernetas sejam destinados ao crédito imobiliário. A regulação visa dar liquidez à compra e à venda de imóveis no País, com oferta de recursos para empréstimos a custos mais baixos de captação. Hoje, a poupança tem remuneração de TR + 6%.
Os bancos não são impedidos de emprestar mais que o equivalente a 65% dos depósitos da poupança. Nesses casos, porém, precisam buscar recursos em fontes de mercado, cujo custo é maior. São os casos de letras de crédito ou certificados de recebíveis, geralmente atrelados ao CDI - que foi de 13% em 2023, mais que o dobro da caderneta.
Em termos relativos, o Banco do Brasil é o mais sobrealocado, com 41% da sua carteira de crédito imobiliário excedendo os seus depósitos da poupança, ou seja, baseada em taxas mais altas, de mercado. Em seguida vêm Santander (39%), Caixa (33%) e Bradesco (25%). O menos sobrealocado é o Itaú, com 8%.
Em termos nominais, a Caixa é a mais sobreaplicada, com R$ 101 bilhões além dos seus depósitos em poupança, justamente pela sua posição de liderança em volumes. Depois vêm Bradesco (R$ 29 bilhões), Santander (R$ 24 bilhões), Itaú (R$ 10 bilhões) e Banco do Brasil (R$ 9 bilhões).
"Vemos a sobrealocação de 27% dos bancos próxima dos níveis de 2015 e 2016, quando tivemos a pior seca de financiamentos da história do SBPE", descreveram os analistas do Bradesco BBI. "A principal diferença é que vemos a Selic caindo em 2024, o que é oposto ao cenário daquela época, o que dá um certo alívio", ponderaram.
Quais os problemas desse 'inchaço'
Embora os bancos possam ficar mais seletivos na concessão de crédito para habitação, os analistas do Bradesco BBI reiteraram diversas vezes no relatório que não esperam rupturas na cadeia ou falta de crédito. Na avaliação, o que existe é uma tendência de maior "seletividade" das instituições financeiras, pressionando para baixo o volume de financiamentos daqui para frente, mas esses ajustes devem acontecer de modo suave.
Pelas contas dos analistas, os bancos teriam capacidade de financiar em torno de R$ 100 bilhões por ano, contando só com a poupança. Já a projeção oficial da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) é de R$ 153 bilhões em 2024, patamar estável perante 2023.
A conclusão dos analistas é que, para chegar ao volume projetado pela Abecip, os bancos terão, necessariamente, que recorrer a recursos atrelados ao CDI, ou seja, mais caros. Caso contrário, vão enxugar os volumes.
Consequentemente, o cenário de maior exposição das carteiras ao CDI diminui consideravelmente as chances para as taxas de juros dos financiamentos caírem em 2024, mesmo que a Selic continue a ser reduzida. Atualmente, os bancos cobram em torno de 11% a 12% + TR nos financiamentos imobiliários.
Imóveis novos e usados
O time do Bradesco BBI alertou para a grande quantidade de condomínios, cujas obras estão ficando prontas e serão entregues ao longo do ano (é na entrega das chaves que os compradores de imóveis buscam o financiamento no banco).
Se os bancos seguirem mais seletivos na concessão de crédito para aquisição de imóvel pelos consumidores, isso pode forçar as construtoras a dar algum desconto sobre o valor do apartamento na hora da entrega, o que poderia prejudicar as suas margens. Ainda assim, o impacto seria muito mais suave do que se a venda fosse cancelada e a unidade fosse devolvida ao estoque da construtora, ponderaram os analistas.
O segmento mais impactado deve ser o de compra e venda de imóveis usados, na visão dos analistas. Isso porque os bancos tradicionalmente priorizam o financiamento das moradias novas, recém-entregues pelas construtoras. Estas, por sua vez, usam o dinheiro da venda dos imóveis para pagar o banco pelo financiamento da obra, em um ciclo que se alimenta.
Com tudo isso em vista, os bancos tendem a fechar um pouco mais da torneira do crédito para as construtoras erguem novos empreendimentos daqui para frente. "À medida em que vemos os bancos priorizando o crédito aos consumidores que estão comprando imóveis novos, o crédito empresarial para construtoras apoiado pelo SBPE também se tornará mais restritivo, o que a nosso ver já está acontecendo", afirmou o time do Bradesco BBI.
As construtoras maiores, com relações comerciais mais profundas com os bancos, devem ficar com o bolo de crédito mais barato, via SBPE. As demais devem ter que recorrer a linhas atreladas ao CDI, mais caras.
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Fonte: Noticia ao Minuto