No início do ano, ao assumir seu terceiro mandato como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu que a responsabilidade fiscal era incompatível com a responsabilidade social. A declaração gerou uma onda de preocupação no mercado, que temia que o recém-empossado chefe de Estado deixasse a situação fiscal do país se deteriorar para cumprir sua agenda de assistência social e distribuição de renda. Em meio à expectativa da chegada de um novo arcabouço fiscal, a perspectiva era pessimista. Em entrevista ao site da Jovem Pan, o presidente do conselho de administração da Jive Investments e ex-diretor de política monetária do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo, avalia que as medidas adotadas pelo governo conseguiram manter a condução da política fiscal de forma razoável e com menos irresponsabilidade do que era esperado inicialmente. Ele afirma que a gestão de Lula conseguiu emplacar importantes pautas positivas para a economia, mas contou com a importante intervenção do Congresso Nacional para barrar propostas com potencial negativo. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Como você avalia o desempenho da economia brasileira durante o ano? Foi um ano mais positivo do que negativo, tanto do ponto de vista de mais crescimento, como também o próprio desemprego. A taxa de desocupação caiu mais do que se imaginava e tem surpreendido, porque apesar de cair não tem trazido pressões de custos, principalmente de salários. Então, isso acabou ajudando para que a inflação acabasse pendendo também positivamente. Então, 2023 foi uma grata surpresa. Os agentes econômicos projetavam um crescimento menor que 1% no início do ano. Nós estamos fechando o ano com alguma coisa perto de 3%. Então, foi uma grata surpresa, uma surpresa importante. Ela teve um componente importante na área agrícola, mas as outras categorias também melhoraram. O que tem acontecido é que, como o Brasil passou por muitas reformas nos últimos anos, isso tem sido um componente muito relevante para ajudar a nossa economia a crescer mais do que o mercado tem projetado.
E quais medidas que o governo tentou implementar esse ano para melhorar a economia que contribuíram de forma positiva? Logo que o presidente Lula foi eleito, ele trouxe uma narrativa bastante negativa quando disse que a responsabilidade fiscal não era compatível com responsabilidade social. Isso trouxe um receio muito grande do que vinha pela frente. Mas a prática desse governo ao longo do ano foi de não deixar que a situação fiscal se deteriorasse. Então, na verdade, essa narrativa mais irresponsável do ponto de vista fiscal acabou não acontecendo pela própria prática do governo. Veio o arcabouço fiscal, que é razoável, além de um esforço muito grande para trazer mais receitas e não aumentar muito o déficit fiscal. Nesse sentido, houve sim uma surpresa positiva com relação a um receio muito grande do que vinha pela frente. Tivemos algumas reformas que foram relevantes, como instrumentos de garantia de crédito que eram importantes para o crescimento e a própria reforma tributária, que está aí para ser finalmente aprovada até o final do ano. Então, esse foi um lado que trouxe uma boa surpresa. Tinha uma agenda mais negativa no lado micro, que era mudar a regulação de saneamento e a lei de reforma trabalhista, mas que acabou não acontecendo porque o Congresso não deixou. Então, no final, o que sobrou foi uma agenda mais do lado positivo. O grande destaque foi uma política fiscal não tão irresponsável quanto se imaginava. Ela foi melhor do que se imaginava. A própria reforma tributária acaba trazendo um pouco mais de confiança do que vem pela frente.
Com base nisso, você acredita que o governo consiga cumprir a promessa de déficit zero? O que aconteceu foi que as receitas esse ano acabaram frustrando, em função de alguns itens relevantes que acabaram surpreendendo, mas a batalha do governo para buscar maiores receitas aconteceu. Nós vamos terminar o ano com um resultado muito próximo daquele que o mercado projeta, com um déficit em torno de 1% do PIB.
Quais são suas expectativas para a próxima reunião do Copom? O Copom já tem sinalizado pelo próprio presidente do Banco Central que vai continuar nesse espaço de 0,50 ponto percentual por reunião. Quando a gente vê do lado local, os dados têm sido muito favoráveis, até ajudando para que pudesse haver uma aceleração, mas o ambiente externo esteve mais nebuloso, o que tem atrapalhado com que o Banco Central tome essa postura. O Banco Central entende hoje é que é apropriado que ele mantenha o mesmo passo nas próximas reuniões.
E o recente resultado do PIB deve impactar positivamente nessa decisão? Nós estamos em um momento em que o juro ainda está bastante alto. Então, ele tem segurado um pouco o ímpeto da economia, embora a economia mais forte também tenha mostrado uma inflação mais tranquila. Então, no ponto de vista do Banco Central, foi uma diferença pequena. No caso era esperada alguma retração, cerca de -0,2%, e acabou vindo 0,1%. Mas é muito na margem, então não muda a perspectiva do Banco Central.
E o que a gente pode esperar para o primeiro trimestre do ano que vem? Ainda estamos com juros muito altos, apesar do Banco Central estar promovendo o processo de queda. Isso quer dizer que a nossa economia ainda está em um esforço de contração, ou seja, a economia está em um processo de esfriamento. É uma coisa transitória. O primeiro trimestre deve ser relativamente fraco, mas continuando esse processo de queda de juros, um pouco mais à frente, a nossa economia deve ir melhorando. Vamos ter uma economia mais firme a partir do segundo trimestre ou do segundo semestre do ano que vem. Mas precisamos continuar nessa linha de responsabilidade fiscal, conseguir entregar minimamente o que foi prometido e continuar nessa trajetória de queda de taxa de juros. Além disso, o governo precisa não ficar trazendo muitas incertezas novas para o ambiente, que veio muito da atitude muito agressiva com relação ao Banco Central. Se nós tivermos um orçamento mais para perto de zero, com o governo trabalhando firme para que isso realmente se realize ao longo do ano que vem, vai ajudar muito a reduzir as incertezas, o que ajuda muito o ambiente e, portanto, o crescimento do país.
Fonte: Jovem Pan