Em menos de 20 dias, os argentinos vão às urnas eleger o novo presidente do país – as eleições estão marcadas para o dia 22 de outubro. O outsider ultradireitista Javier Milei, do partido A Liberdade Avança, e o ministro da Economia, Sérgio Massa, do União pela Pátria, aparecem como os favoritos entre as opções de voto. Uma pesquisa realizada pelo Centro Estratégico Latino americano de Geopolítica (CELAG), divulgada no final de setembro, mostra a diferença de um ponto entre os candidatos. Milei, vencedor da PASO, realizada em agosto, aparece com 33,2% das intenções de votos, contra 32,2% de Massa. Na terceira posição, aparece Patricia Bullrich, do partido Juntos por el Cambio, com 28,1%. Outras pesquisas seguem a mesma classificação entre os candidatos à Presidência, mas com diferença entre as porcentagens entre ele. Contudo, os resultados apontam que um segundo turno deve ser acontecer.
Em entrevista ao site da Jovem Pan, Alberto Pfeifer, coordenador-geral do DSI, Grupo de Análise em Estratégia Internacional da Universidade de São Paulo (USP), fez uma análise sobre o primeiro turno das eleições presidenciais. O especialista aponta que Milei tem grandes chances de sair vencedor, até mesmo de vencer no primeiro turno. Para isso acontecer, ele precisa obter 40% dos votos e ter dez pontos percentuais à frente do segundo colocado, ou ultrapassar a faixa de 45%. Para o professor, uma vitória de Milei é benéfica para o Brasil, porque uma Argentina mais forte representa melhores chances de fazer negócio. Para Pfeifer, por outro lado, o maior risco que o país enfrenta, hoje, é a manutenção do atual governo no poder. Atualmente, a Argentina enfrenta uma situação econômica complicada, com a inflação acima de 100%, falta de dólares e dívida bilionária com Fundo Monetário Internacional (FMI). Nesta semana, dezoito bancos argentinos foram alvo de buscas em todo o país por suposta evasão de US$ 400 milhões (R$ 2,67 bilhões, na cotação atual) por meio de operações de importação fraudulentas.
Para Pfeifer, o primeiro turno das eleições presidenciais vai mostrar o rechaço ao “status quo, ao governo de Alberto Fernandez e de Cristina Kirchner, ao estatismo, ao corporativismo e ao populismo que levou o país a essa derrocada macroeconômica”. Segundo o especialista, a população repudia essa situação atual que teve como consequência o “descalabro macroeconômico e financeiro, levando ao empobrecimento da população, aumento da insegurança, criminalidade e desemprego”. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
O que podemos esperar deste primeiro turno das eleições na Argentina? Sérgio Massa perde essas eleições. Perde no primeiro turno ou no segundo para Javier Milei. O Massa, sendo o ministro da Economia responsável pela situação atual, ele não passa credibilidade. Ele tem um eleitorado cativo, formado de funcionários públicos, gente do partido, das províncias e dos municípios que são vinculados ao partido peronista, que representa 30% dos votos que ele têm. Vale lembrar que o partido peronista, o judicialismo, é uma grande rede de interesses recíprocos que se espalha pelos planos federais, hoje eles têm controle do plano federal, e pelas províncias, pelos municípios e pelas estruturas sociais, sindicatos, pela própria estrutura partidária, associações de bairro, enfim, todos os tipos de coletivismo têm o partido justicialista como canal de expressão. Se eles saem do poder, os interesses pecuniários, quer dizer, salários e benefícios dessas pessoas, vão ser cortados. Então, Massa tem esse apoio. A única dúvida é, se Patricia Bullrich alcança a ultrapassa Massa e vai para o segundo turno com Millei, talvez exista uma disputa mais apertada. Porém, pelo que as pesquisas indicam, após o primeiro debate presidencial, Bullrich foi a grande perdedora. Ela é uma candidata ruim, com pouca habilidade de comunicação. É muito provável que Millei vença. Para que Milei vença no primeiro turno, ele precisa extrair os votos de Bullrich.
Olhando para o atual cenário da Argentina, existe chance do Massa reverter a votação e sair presidente? Sérgio Massa é um político muito hábil, carismático, que consegue se manter à frente dessa proposta e se tornar competitivo até para ir para um segundo turno. Em política, se o Milei dá uma grande derrapada, Massa pode ser eleito, mas é muito difícil. Chances sempre há, mas mantidas as circunstâncias atuais, é muito mais provável que Milei se fortaleça, mesmo com as investigações e acusações que tem enfrentado, do que Massa conseguir reverter a vantagem, tanto no primeiro como no segundo turno. Em um possível segundo turno entre eles, os votos de Bullrich, que hoje estão perto de 25%, digamos, três quartos deles, devem ir para Milei.
O que dá força para o Millei e qual é o principal ponto de dificuldade que ele pode enfrentar? O que dá força para ele é essa proposta anti-estatismo, anti-coletivismo, anti-socialismo, anti-corporativismo, anti-corrupção, anti-controle do Estado pelos grupos que têm dominado o Estado. Sua principal força é essa, combater isso, reconhecer que a Argentina, do ponto de vista monetário, é inviável como está hoje, e que tem que ter uma revolução monetária, com a dolarização da economia, o fim da hiperinflação e a extinção do Banco Central. Ele disse que vai terminar com a hiperinflação em dois anos, mais ou menos, é o tempo historicamente identificado, para acabar com o processo hiperinflacionário, e vai também cuidar muito do tema da segurança pública, que, dos temas sociais, é o mais importante hoje para a Argentina, e a candidata a vice-presidente, Victoria Villarruel, é uma especialista na área, com doutorado em segurança e defesa. Então ela vai cuidar da parte de segurança e defesa e será responsável por nomear o ministro da Segurança e da Defesa.
Outro ponto forte dele é o fato de a sua candidatura ser, nas palavras dele, orgânica. Ela vem de bases populares virtuais, principalmente jovens que são muito ágeis em redes sociais e foram se convencendo das ideias do libertarianismo que preconizam a proeminência do indivíduo, da propriedade privada, da livre iniciativa, como base para a organização da sociedade. Esses são os pontos fortes. Os pontos fracos do Milei são: o fato dele ser um desconhecido na política e ter pouco apoio nas províncias. Ele não tem governadores eleitos, e os governadores são muito importantes na estrutura política argentina. No Congresso, ele tem uma bancada importante que vai ter que compor com outras bancadas, tanto no Senado quanto na Câmara, e o manejo político talvez seja uma debilidade, mas ele tem como dar conta disso.
As propostas de Milei são factíveis? Sim. Ele vai diminuir o número de ministérios para oito. Além do aspecto de combater a hiperinflação e cuidar da segurança pública, ele tem uma plataforma muito voltada para o Capital Humano, ele vai ter o Ministério do Capital Humano, que vai juntar educação e saúde, e vai preparar a nova geração, a próxima geração de argentinos, aumentando o nível educacional e a capacidade produtiva da população em geral. São propostas factíveis, sim. Diminuir o número de ministérios, reduzir o tamanho do Estado, aumentar ou melhorar a estratégia de combate à criminalidade e aumentar a segurança pública. A questão do combate à hiperinflação, nós fizemos isso no Brasil, por exemplo, no Real. A Argentina já fez isso com outros planos, tem experiências pelo mundo todo de países que conseguiram fazer isso e aumentar o crescimento econômico. O fato dele terminar com o Banco Central tem a ver com a especificidade argentina: a história do Banco Central argentino é diferente da história do brasileiro. Temos que analisar conforme o contexto local. Mas não é porque termina com o Banco Central que o país perde autonomia ou soberania econômica. Ele apenas vai estancar a capacidade do Estado de imprimir moeda e aumentar a base monetária, que é o fator número um para desencadear um processo hiperinflacionário.
Se Milei for eleito, como ficam as relações entre Brasil e Argentina? Ele deve cortar os laços com o governo brasileiro? Ele não vai cortar as relações com o Brasil, nunca falou isso. Ele apenas disse que vai, do ponto de vista da nação argentina, do país, do governo, ele vai se afastar dos países governados por socialistas e comunistas. A China comunista, que hoje é o principal parceiro estratégico da Argentina, e o Brasil, com o qual ele não tem nenhuma simpatia pelo presidente Lula e pelo PT, mas não vai atrapalhar os vínculos comerciais e as relações de Estado. Isso vai se manter. Para o Brasil, é melhor ter uma Argentina forte, estável, com baixa inflação e previsibilidade, porque permite ter mais negócios e dá mais segurança para os turistas brasileiros que vão para lá e as empresas que têm investimentos no país. Dessa forma a região passa a ser mais bem vista, porque, como está hoje no Mercosul, com um país debilitado como a Argentina, atrapalha nas negociações. Ninguém tem confiança, porque não se sabe se eles vão conseguir pagar alguma coisa e conseguir cumprir algo que prometeu.
Milei é uma boa aposta para os problemas atuais da Argentina? Sim, definitivamente. Ele parece ser um sujeito com uma formação muito sólida em economia, ele é um economista reconhecido, com muitas publicações, professor universitário e consultor de organizações internacionais. Ele tem um jeito pitoresco que chama atenção – isso ajuda a lidar com a popularidade. Ele tem essa visão de reduzir o tamanho do Estado, combater a corrupção e hiperinflação que é um super problema na Argentina e destrói a capacidade econômica e a segurança social do país. Milei parece ter boas ideias para dar conta desses problemas. O risco grande da Argentina é continuar com o governo atual, a inflação descontrolada, a pobreza, que já passa de 40% da população, e a insegurança.
Fonte: Jovem Pan