Após uma semana do balão chinês ter sido derrubado no mar dos Estados Unidos, o caso ainda segue repercutindo e aumentando a tensão entre as duas potências, que há tempos tem ficado cada vez mais delicada. Nesta semana, por exemplo, o presidente norte-americano, Joe Biden, não escondeu que seu país vai agir se perceber que sua soberania está em risco. “Estou comprometido em trabalhar com a China onde for possível promover os interesses americanos e beneficiar o mundo. Mas, não se enganem: como deixamos claro na semana passada, se a China ameaçar nossa soberania, vamos agir para proteger nosso país”, declarou o líder estadunidense durante seu discurso sobre o Estado da União no Congresso, quando foi bastante aplaudido. A declaração, entretanto, não passou batida por Pequim, que horas depois respondeu: “Vamos defender de maneira firme os interesses de soberania, segurança e desenvolvimento da China”, disse a porta-voz do ministério das Relações Exteriores, Mao Ning, antes de pedir ao governo dos Estados Unidos para “trabalhar com a China para devolver as relações sino-americanas ao caminho do desenvolvimento”.
Os Estados Unidos garantiram que o balão “era claramente para a vigilância de inteligência e era inconsistente com o equipamento encontrado nos balões meteorológicos”, segundo o Departamento de Estado, que também afirmou que o objeto não tripulado “estava equipado com painéis solares suficientemente grandes para produzir a energia necessária para operar múltiplos sensores ativos de coleta de dados de inteligência”. Apesar disso, ainda não há uma certeza referente a qual era a real função do balão. As informações desencontradas aumentam o desgaste entre as duas potências e geram um “conflito de narrativa entre os dois países, que buscam moldar a realidade”, explica Bernardo Wahl, acrescentando que algumas análises indicam que as características do balão diferem do meteorológico e que ele violou o espaço aéreo norte-americano. Para Igor Lucena, economista e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa, o produto chinês “faz parte de um programa maior de espionagem chinesa na América como um todo”. Ele lembra que o balão também foi detectado no México e na Colômbia e que o Canadá estava monitorando seu espaço aéreo.
A Casa Branca informou que a China operou em vários países uma frota de balões supostamente de espionagem. “Estes balões são parte de uma frota desenvolvida para operações de vigilância”, disse a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre. “Em anos anteriores, balões chineses foram vistos em vários países dos cinco continentes. Estivemos em contato com aliados e parceiros sobre este assunto”, completou. O doutor em Ciência Política Alexandre Uehara pontua que a questão do balão chinês no espaço aéreo norte-americano só ganhou uma dimensão maior porque a situação entre os países é sensível. “O problema é que a relação entre as potências e a divergência que vem acontecendo há algum tempo fez com que a desconfiança aumentasse”, diz. Uehara pontua que essa questão “é apenas um retrato da situação que os dois países se encontram no momento”. O especialista fala que a destruição do objeto aumentou as tensões porque desde o governo Barack Obama há uma preocupação com o crescimento chinês. “Há um tempo dizia que a China vinha crescendo, mas sua parte militar era atrasada e não tinha uma preocupação tão grande”, contudo, “eles renovaram e fortalecerem sua capacidade militar”, aumentando a preocupação dos Estados Unidos em relação a esse país. “A ascensão e queda das grandes potências é assunto central nas Relações Internacionais”, explica Wahl. “A China está em ascensão, e os EUA, por mais que estejam estabelecidos, há especialistas que acreditam que está passando por um certo declínio”, acrescenta.
Ao abater o produto chinês, Biden passa um claro sinal de que nenhum tipo de espionagem será tolerado. “ Eles estão dizendo: se vocês fizerem qualquer outro tipo de atividade internacional de espionagem nos nossos países, será tratado com o maior dos rigores”, afirma Lucena. Apesar de terem destruído o balão, algo que chama atenção foi o tempo que os norte-americanos demoraram para realizar a operação. “Os EUA são o país que mais investe em defesa no mundo, então podemos nos perguntar: eles não conseguiram detectar o balão previamente antes dele entrar em seu espaço aéreo?”, questiona Wahl. O especialista ainda pergunta se essa situação não foi criada para aumentar a tensão em relação à China, tendo como objetivo despertar o público para perceber a ‘ameaça chinesa’. “Eles deixaram o balão tanto tempo alegando ser para coleta de informações, mas podem ter criado esse fato para dominar a narrativa e a imprensa” e, com isso, “criar um situação exagerada de invasão de balões chineses”. Wahl também faz uma leitura ao contrário, do ponto de vista chinês. Para ele, a China pode ter feito isso de propósito para “mensurar como os EUA reagiriam e levantar informações referentes ao seu comportamento”.
Por mais que as tensões entre EUA e China tenham ficado ainda mais delicadas por causa desse novo episódio, os especialistas não acreditam que possa haver uma guerra entre os dois, exceto pela questão de Taiwan, que os chineses tentam retomar o controle a todo custo, enquanto os norte-americanos já deixaram claro que não vão deixar que isso aconteça. “Não acredito em chance real de conflito. A única possibilidade é a disputa de Taiwan, que será defendida com unhas e dentes por Washington se for invadida”, diz Lucena. “Neste momento, diria que a tensão e discurso vão continuar, porque não vemos canais diplomáticos para aliviar a tensão”, fala Uehara. “Mas o conflito, entendo que não, pois a China não tem interesse, já que desde 2010 ela tem apresentado tendência de queda econômica, houve diminuição da população e eles estão tentando se recuperar da política de covid-zero”, por essa razão, “ela não está confortável para um conflito”, acrescenta. Bernardo Wahl concorda com os demais especialistas, mas pontua que há um estudo do escritório de consultoria em investimentos Coolabah Capital Investments (CCI) publicado em 2021 que aponta que há chance de 46% de uma guerra entre EUA e China nos próximos 10 anos. Ele lembra que recentemente um general dos EUA previu uma guerra entre as potências em 2025 por causa de Taiwan. “Acho que existe chance real de guerra aberta, mas é improvável. Vai ter uma guerra híbrida, como tem se manifestado nos últimos tempos”, conclui Wahl.
Fonte: Jovem Pan