Iniciativa envolve a escolha de livros com temas que serão debatidos em encontros on-line ou presenciais Rafael Piccolo, da KPMG Business School, diz que clube ajuda a manter conexões e a construir outras redes de contato
Carol Carquejeiro/Valor
Clubes de leitura estão ganhando mais espaço nas empresas. Com uma dinâmica que envolve a escolha de títulos para serem debatidos em encontros on-line ou presenciais pelos executivos, as iniciativas, além do prazer pela leitura, funcionam como ferramentas de integração de equipes e no apoio a treinamentos. Os grupos de leitores, que contam com a ajuda da alta liderança na sugestão de temas para as rodas de conversa, estão também ampliando o leque de interesses. Ao lado de volumes sobre gestão e negócios, categorias tradicionais nas estantes corporativas, romances nacionais e clássicos da literatura mundial aparecem mais hoje nas listas de discussão.
Na consultoria KPMG, com 5,5 mil funcionários no Brasil, o clube de leitura existe desde setembro de 2020. “A ideia surgiu durante a pandemia, com o isolamento e o cancelamento de eventos”, lembra Rafael Piccolo, sócio responsável pela KPMG Business School, universidade corporativa do grupo, que lidera a ação. “Na época, identificamos que surgiram novos desafios para os profissionais, como manter conexões e construir outras redes de contato.”
Foi assim que Piccolo passou a organizar encontros on-line para juntar colegas e promover discussões sobre literatura de negócios. “A partir dos livros, falamos de assuntos como estratégia, cultura corporativa e gestão de risco.”
Em mais de dois anos, o clube reuniu 150 líderes da KPMG e de companhias parceiras de todo o país, com debates mensais que destrincharam 20 livros, como “Mindset: A nova psicologia do sucesso” (Editora Objetiva), de Carol Dweck, professora de psicologia da Universidade de Stanford; e “Seja mais feliz” (Editora Academia) de Tal Ben-Shahar, ex-professor de psicologia da liderança em Harvard.
A movimentação acabou se desdobrando em agendas especiais, como a remessa de obras para 3,5 mil executivos da consultoria que participaram de treinamentos de performance em 2022.
A alta gestão não fica de fora das campanhas, ressalta Piccolo. O CEO Charles Krieck já sugeriu temas para os bate-papos, enquanto o último livro que discutimos foi “Sou Danielle- Como me tornei a primeira executiva trans do Brasil” (Editora Planeta), de Danielle Torres, sócia da KPMG Brasil, destaca.
O executivo explica que as conferências continuam virtuais, com uma hora de duração, das 18h às 19h, período pensado como um momento de relaxamento pós-expediente. Nas sessões, um voluntário começa apresentando um “resumo” da obra e faz algumas reflexões. Depois, os participantes dão visões pessoais sobre o livro, apontando os trechos que mais chamaram a atenção.
De acordo com Piccolo, a maior parte dos exemplares alinhados é da categoria “gestão e negócios”. Porém, cada vez mais, temos biografias e obras com tópicos comportamentais, como terapia e felicidade, diz. “As escolhas acontecem por sugestão dos participantes.”
Para o gestor, independentemente do título na mesa, a interação entre os executivos é a melhor métrica de sucesso da prática - muitos costumam trocar contatos e “adicionar” nomes em redes sociais corporativas depois das reuniões. “Se houve reflexão, conexão e discussão, ficamos felizes com o resultado.”
Na Porto, companhia de seguros, saúde e finanças com 12,6 mil empregados, quase 30 livros foram discutidos desde 2012. “Em 2022, voltamos com os encontros presenciais, com 1h30 de duração, e vimos a necessidade de estabelecer também um modelo híbrido para acolher colaboradores que não conseguiam ir à biblioteca da empresa, local dos debates”, lembra Carolina Zwarg, diretora de pessoas e sustentabilidade.
Em 2023, a biblioteca do grupo, localizada no bairro paulistano de Campos Elíseos, em um casarão dos anos 1930 inteiramente restaurado, completa 30 anos de atividade. “Os leitores são recebidos no final do dia, com um delicioso café”, diz.
Zwarg lembra que o conceito do clube partiu de Jayme Garfinkel, ex-presidente do conselho de administração, que organizava um grupo similar na diretoria, e questionou por que o modelo não existia para todos. Hoje, entre 25 e 30 funcionários participam de cada encontro.
“A intenção é estimular o gosto pela leitura, promovendo-a como fator de desenvolvimento pessoal e profissional; despertar o espírito crítico e contribuir com os resultados dos negócios”. Uma das leituras mais recentes foi “Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais” (Editora Ágora), do psicólogo americano Marshall B. Rosenberg (1934-2015).
Henrique de Faria Martins, sócio-fundador do Cândido Martins Advogados, que mantém um clube de leitura desde fevereiro de 2012, dois anos após a abertura do escritório, diz que também já organiza os colóquios de forma presencial. “Normalmente, durante um café da manhã, às sextas, das 8h às 9h30”, explica. Quase todos os 15 funcionários da banca participam dos eventos, que acumulam mais de 50 livros perfilados. “Hoje, buscamos as questões polêmicas nas obras. O próximo passo é convidar autores.”
Martins diz que uma das regras é evitar os volumes jurídicos. Queremos ler algo além do trabalho, destaca. A seleção, até agora, inclui romances, clássicos da literatura internacional, como “A revolução dos bichos” (George Orwell) e autores brasileiros, como o amazonense Milton Hatoum (“Dois irmãos”), ambos da editora Compahia das Letras.
Antes, continua Martins, a triagem dos temos era feita pelos sócios principais da empresa. Agora, é “rotativa” e assumida por todos. Os critérios de corte apontam para exemplares de leitura rápida, com assuntos que dialogam com a atualidade. “E, é claro, que sejam prazerosos”. Títulos que ganharam ou foram finalistas de prêmios literários no Brasil e no exterior têm preferência.
O advogado explica que, além de estimular o enriquecimento cultural, o círculo de letras funciona como uma ferramenta de integração da equipe e desenvolve um ambiente de trabalho mais empático. Uma das datas mais concorridas, que ultrapassou duas horas de conversa, teve como protagonista o livro “Infiel-A história de uma mulher que desafiou o Islã” (Ed. Companhia das Letras), autobiografia da ativista somali-holandesa Ayaan Hirsi Ali. O relato acompanha a autora desde a infância difícil na Somália até a busca de novos horizontes na Holanda, onde foi eleita deputada.
Fonte: Valor Invest