O decreto presidencial 10.833, de Jair Bolsonaro, publicado no ano passado, alterou regras para registro, comercialização e uso de agrotóxicos no país A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia votou pela inconstitucionalidade de cinco trechos do decreto presidencial 10.833, de Jair Bolsonaro, publicado no ano passado, que alterou regras para registro, comercialização e uso de agrotóxicos no país.
A ação (ADPF 190), movida pelo PT, diz que a norma “flexibilizou os parâmetros de avaliação de risco” dos defensivos, o que pode ampliar “o emprego de agrotóxicos causadores de câncer, mutações genéticas e desregulação hormonal” no Brasil. A sigla defende também que o decreto extingue a exigência do controle de qualidade dos agrotóxicos pelos ministérios da Agricultura e da Saúde.
Relatora do processo, Cármen Lúcia concordou com a quase totalidade do decreto e preservou os pontos-chave do texto, o que não deve gerar impacto “muito grande” na regulamentação, segundo fonte ouvida pelo Valor. O julgamento, em plenário virtual, começou nesta sexta-feira (7). Os demais ministros têm até 17 de outubro para votar.
O principal trecho contestado pela ministra é um artigo que baseia as regras para a destruição e inutilização de vegetais com resíduos acima dos níveis permitidos ou que tenham recebido aplicação de agrotóxico de uso não autorizado. Para Cármen Lúcia, o texto atual estabelece uma exceção para o aproveitamento dos alimentos que seriam descartados, o que coloca em risco a saúde da população.
O texto diz que a destruição ocorrerá sempre que os produtos “oferecerem risco dietético inaceitável”, ou seja, a depender do risco que poderia gerar. “Permitir o consumo desses produtos é ser conivente com a exposição da população a alimentos com padrões de segurança reduzidos ou insuficientes”, disse a ministra no relatório do voto. Segundo ela, a exceção “descumpre os princípios da vedação ao retrocesso social, da precaução e da proteção insuficiente a direitos fundamentais”.
Se o artigo for considerado inconstitucional e a regra anterior voltar a vigorar, a solução será “destruir tudo” que tiver resíduos acima do permitido, disse uma pessoa a par do assunto. “Não me parece razoável isso, apesar de ser o que estava escrito antes.”
Por outro lado, a ministra concordou com itens considerados importantes pelo Ministério da Agricultura e o setor regulado previstos no novo decreto, como os prazos, as prioridades, a avaliação de risco e a inclusão do sistema Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos (GHS), cujas diretrizes são observadas para fins de classificação toxicológica e de comunicação do perigo à saúde na rotulagem de agrotóxicos, pré-misturas e afins.
Os demais trechos declarados inconstitucionais pela ministra Cármen Lúcia miram em atribuições dos ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente modificadas pelo decreto de 2021, como a de “estabelecer o limite máximo de resíduos e o intervalo de segurança dos agrotóxicos e afins”, que havia sido revogada pela norma atual.
Cármen Lúcia também votou para declarar a inconstitucionalidade do inciso que diz que cabe às três Pastas, dentro de suas competências, “monitorar e fiscalizar a qualidade de agrotóxicos, seus componentes e afins quanto às características do produto registrado”.
A ministra também foi contra dois parágrafos que dizem que “os titulares de registro de agrotóxicos que contenham impurezas relevantes do ponto de vista toxicológico ou ambiental deverão guardar os laudos de análise do teor de impurezas, conforme estabelecido na concessão do registro” e que Agricultura, Saúde e Meio Ambiente vão editar uma norma complementar conjunta sobre a obrigação de os estabelecimentos que produzem e importam agrotóxicos tem de dispor de “unidade de controle de qualidade própria” para verificar a qualidade do processo produtivo, dos insumos usados e dos produtos finais.
Nas manifestações orais do julgamento, Lidia Cristina Jorge dos Santos, advogada do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) e da Unifito (União dos Produtores/Fabricantes Nacionais de Fitossanitários), defendeu o decreto e citou a demora excessiva para a avaliação e registro de produtos no país, em média sete anos. Segundo ela, a regra de priorização presente na norma é necessária para sanar problemas fitossanitários na agricultura e fomentar a indústria nacional. “As alterações propostas [no decreto] em nada comprometem a segurança para área de saúde, impacto para meio ambiente e eficácia agronômica”, pontuou.
O decreto 10.833/2021 alterou trechos da regulamentação da lei nacional sobre agrotóxicos. Outras mudanças estão previstas no projeto de lei 6.299/2002. Chamada de Nova Lei de Defensivos por produtores, indústria e Ministério da Agricultura e de PL do Veneno por entidades contrárias ao texto, ele foi aprovado na Câmara dos Deputados no início deste ano e aguarda análise final do Senado.
Fonte: Valor Invest