A Argentina registrou em março a maior inflação mensal em 20 anos, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censo (Indec). O país fechou o terceiro mês de 2022 com 6,7% e atingiu uma média anual de 55,1%. Um número alto como esse não acontecia desde 2002, quando os “hermanos” chegaram à inflação de 10,4%. Mas problemas como esse já são considerados como um elemento estrutural na economia da Argentina. As razões por trás desse alto índice passam por vários fatores, mas alguns podem ser classificados como essenciais. Segundo o analista de inteligência da Fundação Getúlio Vargas, Leonardo Paz, os vilões da inflação no país vizinho são os altos gastos do governo, resquícios da pandemia, superestimação do dólar e inércia inflacionária.
Os problemas inflacionários da Argentina existem há séculos. Entre 1944 e 2022, a inflação média foi de 191,73%. “A Argentina tem um governo que gasta muito. Nos últimos 50 anos, basicamente foram poucos os anos em que o governo teve superávit de fato”, explica Paz. Para reverter essa situação, existem duas alternativas: fazer empréstimo e se endividar ou emitir moeda. É na segunda estratégia que o presidente Alberto Fernández tem apostado. Entretanto, essa solução tende a aumentar a inflação. Durante a pandemia de Covid-19, esse foi um dos recursos que Fernández utilizou para lidar com o programa de auxílio para a população que foi prejudicada (similar ao auxílio emergencial implementado no Brasil).
Optar pelo empréstimo não é algo viável para a Argentina porque o país sofreu muitos calotes. “É muito caro para ela se endividar pelo fato de ter dificuldade de captar dinheiro no exterior para poder fechar as contas”, explica Paz. Ele recorda que, recentemente, o país passou por um processo muito complexo para ter acesso a crédito externo, o que fez com que Fernandez precisasse voltar a emitir moeda. Entretanto, esse não é o único ponto que faz com que a inflação argentina seja uma das mais altas do mundo. Não pode ficar de fora é o fato de a economia local já ter sido dolarizada. O analista de inteligência explica que, no passado, isso “causou um problema e o governo começou a restringir o saque das pessoas”. A crise foi tão grande que o presidente Fernando de la Rúa foi derrubado do poder e teve de fugir da Casa Rosada de helicóptero no dia 20 de dezembro de 2001. “Mas, diante deste cenário, as pessoas passaram a ter uma crença muito grande referente ao dólar”, destaca Paz.
Com a valorização da moeda estrangeira, as pessoas passaram a comprar dólar para se proteger da inflação. Para evitar que isso se tornasse um hábito, o governo colocou restrições na moeda e criou uma taxa fixa inicial, o que ocasionou o surgimento do “dolár palarelo” — um mercado ilegal ao qual as pessoas recorrem para realizar a compra. “Quando o dólar paralelo fica acima do oficial, as pessoas tendem a ajustar os seus preços de acordo com o paralelo para se proteger”, diz Paz. Esse confronto faz com que surja a inércia inflacionária, que nada mais é do que as pessoas esperarem a inflação para poder ajustar os preços. Ou seja, as pessoas vão ajustar seu preço baseado no preço do dólar do passado e não no atual. “Você entende que vai ter uma nova inflação e pode perder o dinheiro.”
O analista fala sobre o episódio que aconteceu durante o governo de Cristina Kirchner, que tentou restringir o preço da carne para controlar a inflação. Com isso, desestimulou a produção de carne, diminuiu a atividade econômica, os empregos e a arrecadação de impostos. Uma forma que a Argentina encontrou para poder sustentar a inflação foi expandir a economia e deixar a taxa de juros alta — diferentemente do Brasil, que colocou uma taxa de juros muito alta para poder sustentar a inflação. Essa estratégia não é eficaz, principalmente quando se tem uma população que compra dólar para se proteger da alta dos preços. Apesar dos dados não serem positivos e, assim como o resto do mundo, a Argentina sofrer com o conflito entre Rússia e Ucrânia, Paz não acredita que o país não viverá uma hiperinflação, porque isso só acontece quando a “situação sai do controle”.
Jovem Pan