A queda de 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre indica cautela com as previsões para a recuperação da economia brasileira em 2021. Se antes a pandemia do novo coronavírus era o principal entrave para a retomada, agora se somam ao cenário negativo a persistência da inflação muito acima do teto da meta, a manutenção do desemprego em patamar elevado e a crise hídrica. O resultado, abaixo do consenso de avanço de 0,2% do mercado financeiro, evidencia a perda de fôlego das atividades após a alta de 1,2% entre janeiro e março, e quebra a sequência de três períodos seguidos de desempenhos positivos. O dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deve desencadear uma onda de revisões para baixo das previsões do desempenho da economia neste ano. Este movimento já vem sendo observado pelo Boletim Focus, a pesquisa do Banco Central com mais de uma centena de instituições, que há três semanas seguidas mostrou o arrefecimento do otimismo, passando de uma previsão de alta de 5,3% para 5,22%.
Segundo os analistas, o avanço do PIB no primeiro trimestre — acima das expectativas do mercado — inflou em demasia o otimismo, que começa a perder força diante do choque de realidade. “Todo mundo ficou muito animado com o resultado anterior, e agora esse número negativo deve dar uma esfriada nas coisas”, afirma o economista Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre FGV). “Ainda temos vários problemas. Não resolvemos a questão da Covid-19, e agora temos essas questões de energia, a inflação, que tira a renda das pessoas, e o desemprego, que continua elevadíssimo.”
Dos três setores que formam o PIB, o agronegócio e a atividade industrial apresentaram retração, e o único resultado positivo, da prestação de serviços, veio abaixo do esperado. A alta de 0,7% do setor, o mais relevante para a composição do indicador, e a estagnação do consumo das famílias, reforçam a necessidade de frear as expectativas para o avanço das atividades econômicas. “Era esperado um número melhor por conta do auxílio emergencial, mas o consumo ainda está bastante restrito”, afirma a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto. Segundo ela, o consumo das famílias está 1,6% abaixo do patamar visto no primeiro trimestre de 2020, e 3% aquém do registrado nos três últimos meses de 2019. “O resultado do segundo trimestre mostra que essa recuperação vai ser mais lenta do que o esperado, e isso deve impactar diretamente no desempenho do PIB”, diz.
O recrudescimento da crise hídrica e a possível evolução para uma emergência enérgica é o mais recente ponto de pressão do cenário. O governo federal anunciou nesta terça-feira, 31, a criação de uma nova bandeira da tarifa de energia elétrica. Batizada de “escassez hídrica”, a taxa será de R$ 14,20 a cada 100 kWh, 49,6% acima da atual bandeira vermelha 2, de R$ 9,49. A mudança foi aprovada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e começa a valer a partir de hoje, com duração até 30 de abril de 2022. O encarecimento da energia elétrica é o principal vilão para a persistência da alta inflacionária medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A prévia da inflação foi a 0,89% em agosto, o maior avanço para o mês desde 2002, e somou alta de 9,3% nos últimos 12 meses. “A crise hídrica deixou de ser uma ameaça apenas para a inflação e se tornou um risco para o crescimento da economia”, afirma a economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack.
Fonte: Jovem Pan