Os três professores de relações internacionais entrevistados ponderaram, por outro lado, que o avanço da extrema-direita foi limitado a alguns países. Além de França e Alemanha, ocorreu principalmente na Áustria e Bélgica.
O professor de relações internacionais e economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) Giorgio Romano Schutte enfatizou que o resultado da eleição foi misto, com avanço da extrema-direita em países como França e Alemanha e de políticos progressistas em países nórdicos, como Dinamarca, Suécia e Noruega."A extrema-direita não conseguiu avançar tanto a ponto de colocar em risco a formação dessa maioria para dar continuidade ao governo da União Europeia atual. Eles ficaram abaixo dos 20%", destacou o membro do Observatório da Política Externa do Brasil (Opeb).
Giorgio Schutte lembrou que, na Hungria, onde a extrema-direita governa há 14 anos, os votos ligados ao primeiro-ministro Viktor Orbán caíram de mais de 50% para 44%. Na Polônia, também governada pela extrema-direita, venceu o partido de centro-direita. Na Holanda, onde a extrema-direita ficou em primeiro lugar em eleição nacional organizada meses atrás, eles agora foram derrotados pela centro-esquerda.
Primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni- Reuters/Remo CasilliMesmo na Itália, onde governa a primeira-ministra Giorgia Meloni (do partido Irmãos de Itália, de extrema-direita), o Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, com uma postura contrária ao aumento do gasto militar para sustentar a guerra na Ucrânia, obteve 27% dos votos, ficando apenas 4 pontos atrás do ultradireitista de Giorgia Meloni.
Pobreza e guerra
O avanço da pobreza no bloco europeu e o encarecimento do preço da energia, em parte resultado da Guerra na Ucrânia, ajudam a explicar o resultado da eleição ao Parlamento Europeu, em especial na Alemanha e França, onde o avanço da extrema-direita foi mais importante. Nesses países, as lideranças de extrema-direita têm se posicionado contra o apoio incondicional à Ucrânia.
Professora de relações internacionais do Ibmec de São Paulo Natalia Fingermann - Arquivo pessoalA professora de relações internacionais do Ibmec de São Paulo Natalia Fingermann destacou que a população não entende completamente o apoio à guerra enquanto está empobrecendo.
"Embora não seja muito grande, o orçamento da Europa para a Ucrânia é significativo. E a população empobreceu muito depois da pandemia e ela tem se sentido desamparada, em certa medida. Por que ajudam a Ucrânia e não estão me ajudando?", destacou Natalia Fingermann, lembrando que a pobreza já alcança em torno dos 20% no conjunto da União Europeia.
O professor de relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Maringoni disse que o cenário muda de país para país, mas que na França e Alemanha o peso da economia e do apoio incondicional à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) tem corroído o apoio aos atuais governos.
Professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Maringoni - Arquivo pessoal"O resultado da França e da Alemanha, que são os dois maiores países, foi realmente muito ruim. Mas, se você olhar para outros países menores, tem até um crescimento relativo da esquerda. Agora, quem mais perdeu foi quem mais investiu na aproximação com a Otan", ponderou Maringoni.
A indústria alemã perdeu competitividade ao ter que trocar o gás barato russo pelo gás GLP mais caro importado dos Estados Unidos, o que tem derretido a popularidade do atual chanceler alemão, Olaf Scholz.
De acordo com o professor Giorgio Romano, "o governo na Alemanha está com muitos problemas". "A indústria deles é competitiva exatamente porque tinha acesso à energia barata da Rússia, não só o gás, mas petróleo e carvão. Isso acabou. Então, você tem uma crise muito grande, e o governo não conseguiu dar uma resposta."
Presidente francês, Emmanuel Macron - Reuters/Sarah MeyssonnierFrança e imigração
No caso da França, o partido de extrema-direita Reagrupamento Nacional, liderado por Marine Le Pen, chegou em primeiro lugar entre as forças do país dentro do Parlamento Europeu. Isso fez o presidente do país, Emmanuel Macron, convocar novas eleições para o Parlamento francês.
O professor Giorgio Schutte lembrou que Le Pen vem se fortalecendo há muitos anos e só não venceu ainda as eleições internas por causa do sistema distrital de votação, que leva os deputados mais votados para o segundo turno.
Além disso, o discurso anti-imigração de Le Pen tem lhe rendido frutos. "Você tem um aumento constante dos fluxos migratórios. Os imigrantes estão concorrendo por casas populares, saúde pública e etc., com as camadas mais pobres, que exatamente foram prejudicadas, primeiro pelo neoliberalismo, depois pelas sucessivas crises", disse.
O professor Gilberto Maringoni acrescentou que a extrema-direita não é igual em todos os países e há diferenças importantes, o que pode explicar o crescimento mais expressivo em determinados países e não em outros.
"Le Pen defende um estado do bem-estar social interno para franceses. É diferente de uma extrema-direita brasileira, que é neoliberal. Le Pen não é neoliberal, nem a Meloni é neoliberal. Embora elas não sejam a mesma coisa da AfD [Alternativa para Alemanha], que é caudatária do nazismo", acrescentou.
A relativização do nazismo por parte da AfD faz com que a extrema-direita da França e da Itália busque distância do grupo alemão da direita mais radical que, na eleição ao Parlamento Europeu, subiu de 11 para 15 cadeiras, sendo o segundo mais votado da Alemanha no órgão legislativo da União Europeia.
Agência Brasil