Apesar da Venezuela e a Guiana disputarem Essequibo há aproximadamente 130 anos, no começo de dezembro o conflito ganhou mais força, as tensões entre os países aumentaram e fizeram com que o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), a pedido do presidente guianense, Irfaan Alí, se reunisse para falar sobre a ameaça de um novo conflito em um mundo já em ebulição, comprometendo mais um continente. A razão por trás desta reivindicação venezuelana tem um propósito além do fato de o local em disputa ser um local rico em petróleo e minerais. É uma estratégia política de Nicolás Maduro, atual presidente da Venezuela, para ganhar tempo e força nas eleições presidenciais, previstas para 2024, e retomar as discussões em torno de quem é o verdadeiro dono de Essequibo. O atrito entre os dois países sul-americanos chama atenção da comunidade internacional, principalmente depois que Maduro divulgou um novo mapa venezuelano, já com a anexação de Essequibo, e autorizou que empresas estatais explorem petróleo no território vizinho.
Como forma de ajudar a Guiana se defender em caso de um possível invasão, os Estados Unidos já começaram a se movimentar e anunciaram exercícios militares na antiga colônia britânica. “Esse exercício se baseia em compromissos e operações de rotina para melhorar a associação de segurança entre os Estados Unidos e a Guiana e fortalecer a cooperação regional”, afirma a embaixada dos Estados Unidos no pequeno país sul-americano. O Brasil, que faz fronteira com os dois países, reforçou a segurança na fronteira com a Venezuela com 20 blindados, aumentou o efetivo para o patrulhamento, totalizando agora 130 militares, e ativou o 18º Regimento de Cavalaria Mecanizado (18° R C Mec) em Boa Vista. Apesar dessas recentes movimentações, os especialistas ouvidos pelo portal da Jovem Pan não acreditam que um confronto armado vá acontecer porque não é bom para a Venezuela, e muito menos para seu possível adversário. A menos que consiga apoio militar, Guiana não tem forças para entrar em uma guerra.
Para os especialistas, trata-se de um “blefe” de Maduro para ganhar força política, principalmente depois que María Corina Machado venceu as prévias da oposição para concorrer com o ditador nas eleições presidenciais. “Não tem como dissociar esse movimento, ou seja, o timing do movimento, da eleição política do ano que vem. Realmente existe um risco de Nicolás Maduro perder a eleição”, ressalta Douglerson Santos, professor e mestre em direito internacional. “Uma eleição eventualmente limpa realmente colocaria em risco o domínio do ditador, principalmente se tiver realmente a oposição, que já escolheu a líder da direita Maria Corina Machado como sua representante”, destaca o especialista. Acuado, o atual chefe de Estado sentiu a necessidade de criar um mecanismo que pudesse unificar a população da Venezuela: a anexação de Essequibo, região que não é uma pauta exclusivamente da esquerda venezuelana.
“É uma estratégia utilizada com fins políticos para realmente tentar trazer uma demanda comum. E isso, de forma até estranha, colocou a direita na Venezuela com dificuldade de questionar, tanto que eles estão falando muito mais sobre os mecanismos do que da questão da anexação”, explica Sousa. Para ele, isso não passa de um blefe de Maduro. “Com os dados que se tem até agora, não vejo realmente a Venezuela dando esse próximo passo para a intervenção militar”, opina Rafael Villa, professor titular do Departamento de Ciência Pública da USP, um venezuelano que mora no Brasil há anos. Ele explica que esse sentimento nacionalista que existe sobre Essequibo passa por gerações de venezuelanos. As crianças crescem aprendendo nas escolas que o território não pertence à Guiana. Além de uma estratégia política, é uma forma de retomar a discussão em torno do verdadeiro dono de Essequibo. A ONU já reconheceu que há uma desavença, mas não deu continuidade às conversas. “Maduro tem sido rápido em operar isso. É uma forma de fazer com que a Guiana e seus apoiadores, Estados Unidos e Inglaterra, se sentem na mesa de negociações. Contudo, a possibilidade disso acontecer em um curto prazo é difícil, principalmente depois que foi descoberto petróleo e minérios na região.” Para Villa, não existem condições para uma guerra porque significaria custos econômicos muito alto. “Eu sei que a Venezuela é incapaz de pagar nesse momento esses custos por causa da crise econômica no país. Eles estão preocupados em como enfrentar à hiperinflação e os problemas de extrema pobreza.”
Há ainda dificuldades geográficas. Uma invasão terrestre a Essequibo sem passar pelo território brasileiro — que já avisou que não permitirá a entrada de tropas venezuelanas — é possível, porém com alto custo, algo que não se encaixa na atual situação da Venezuela. “A guerra é mais no discurso. O conflito se trata mais de ganhar a opinião pública nacional e internacional”, pontua o professor. Douglerson Santos concorda e não vê nenhum risco imediato de conflito armando. “Apenas será efetivado se a Guiana tiver algum apoio, porque o país realmente não tem exército nenhum”, pontua. “Todos enxergam uma estrutura ainda muito mais política, sem nenhum movimento concreto de intervenção militar.” Sousa acrescenta que o que pode determinar realmente se vai ou não ter invasão a um curto prazo é “a própria questão política da Venezuela”. Ele considera que Maduro se fortalece a situação que se criou.
“Não acredito que haverá alguma atitude rápida do governo da Venezuela, mas que esse tempo em que a discussão se manter em alta fortalece o atual chefe de Estado. Não tem como ter eleição em um país que vive situações conturbadas em questões territoriais”, observa Sousa. “Um problema realmente que leve uma instabilidade política vai legitimar — quando eu falo legitimar é do ponto de vista interno — um eventual cancelamento ou suspensão do processo de eleição”, explica o mestre em direito internacional. “Esse movimento de Maduro realmente cria a instabilidade necessária para que se possa realmente atrasar, suspender ou modificar as condições da eleição no próximo ano”, finaliza.
Mesmo que a tensão entre Venezuela e Guiana tenha sido levado para o Conselho de Segurança da ONU, os especialistas não acreditam que o tema prosperará. Uma resolução condenando um dos dois países dificilmente será aprovada. “Uma eventual medida que condene a Venezuela seria vetada pela Rússia ou pela China, da mesma forma que Estados Unidos e Inglaterra vetariam qualquer movimentação contra a Guiana”, projeta Villa. Santos explica o porquê desses posicionamentos. “Praticamente toda a força militar da Venezuela é construída pela Rússia, e o pouco investimento que se tem hoje dentro do país é feito através da China.” Já em relação à Guiana, os Estados Unidos, que já estiveram do lado venezuelano nesta disputa — há muito tempo, no século 19, em contraponto ao Império Britânico —, hoje são aliados da outra parte, e uma empresa estatal norte-americana explora Essequibo. E o Reino Unido, por mais que não seja mais o “dono” da região, foi o colonizador. “É muito pouco provável que seja possível validar qualquer tentativa do Conselho de Segurança em atuar nesse caso”, conclui o mestre em direito internacional.
Fonte: Jovem Pan