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Maceió

Flexais convivem com isolamento, insegurança e medo

Afetados pelas atividades da Braskem, mas sem direito à realocação, moradores estão cercados por placas de metal que isolam todo o bairro

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A atividade mineradora da Braskem mudou, definitivamente, a rotina de muitos moradores de cinco bairros de Maceió, que tiveram que deixar suas moradias e uma vida inteira para trás, para construir novas histórias em outros locais. Com o dinheiro das indenizações no bolso, puderam encontrar um novo lar e recomeçar.

Mas em um ponto específico da cidade, parece que o tempo parou: silêncio, vias esvaziadas. Não tem escola, não tem posto de saúde, não tem igreja. Não tem mais crianças brincando nas ruas. Não tem policiamento e o medo é constante.

Os moradores dos Flexais, de Cima e de Baixo, em Bebedouro, permanecem em suas residências, fora do mapa de risco, vivendo uma expectativa constante de realocação.

Ilhados dentro da própria cidade, essas pessoas estão cercadas por placas de metal que isolam o resto do bairro, condenado pela Defesa Civil sob o risco de afundamento. São famílias inteiras sofrendo, sem acesso a serviços básicos, e que precisam se recolher logo cedo, com medo da criminalidade.

A região tornou-se perigosa para taxistas e motoristas por aplicativo, que evitam corridas para a localidade, mesmo com um aviso pixado nos muros, quase um apelo, que diz: "Atenção, táxi/Uber…ainda há moradores aqui". É o grito de socorro dos excluídos.

O comerciante Sebastião Magalhães, de 65 anos, é uma das pessoas que resistem no local. Dono de uma padaria, ele conta que, antes da tragédia provocada pela Braskem, chegava a vender mais de 2.500 pães diariamente. As vendas caíram pela metade e, após os fatos ocorridos na última semana, com a iminência de colapso de uma das minas, o movimento quase parou.

Comerciante Sebastião Magalhães, de 65 anos - Foto: Ailton Cruz

O proprietário da panificação diz que chegou ao limite e não dá mais. A esposa dele, que está em tratamento de câncer de mama, já deixou o local junto com a filha e, agora, está residindo no Clima Bom, na parte alta da capital, pois não consegue mais conviver com as incertezas e os medos nos Flexais.

"Eu nasci aqui e há mais de quarenta anos tenho comércio na Rua Tobias Barreto, do qual sobrevivo. Agora, vou precisar desativar tudo e recomeçar em outro lugar. Não sei ainda como vou fazer, mas aqui não tem mais condições de ficar. Não tem cliente. Não tem mais vida. Minha esposa, que faz tratamento de câncer, não teve condições de permanecer e já está no Clima Bom. Eu continuo aqui, trabalhando e morando, porque não posso largar tudo de uma hora para outra, mas já estou me preparando para sair", revela com tristeza.

Ele relata que muitas pessoas já deixaram a região por conta própria, cansadas de esperar pelas autoridades. No período da noite, as ruas ficam esvaziadas e quem ainda reside no local, "se esconde" dentro de casa. No imóvel dele, onde funcionam a padaria e a residência, as rachaduras continuam a aparecer e a causar medo. "Não dá para revitalizar. A solução é a realocação. Estamos desprezados, a Deus dará", conta, pouco antes de fazer o seguinte apelo à reportagem: "lute por nós".

A aposentada Edna Santos, de 72 anos, dos quais mais de 50 residindo no Flexal, fala com muita tristeza sobre a vida que tem levado. São noites e mais noites em claro, vigilante, à espera da tragédia anunciada. "Eu vivo um tormento", resume.

Edna Santos - Foto: Ailton Cruz

Morando na localidade junto com o filho, ela destaca o desejo de sair dali o quanto antes, pois já não tem mais condições de saúde para continuar. Isso sem contar com a ação de criminosos, que têm atormentado a vida dos moradores dos Flexais.

"As casas são invadidas no meio da noite e a gente fica com medo de ser a próxima vítima. Eles arrombam os portões e entram. O medo aqui é constante e eu não tenho para onde ir. Não consigo mais dormir e quando durmo um pouco, acordo no meio da noite à espera do pior acontecer. É para endoidar qualquer pessoa", relata.

Muitas são as histórias de moradores que se cruzam no mesmo caminho: o da incerteza. As pessoas vivem o hoje, sem poder pensar no amanhã. Muitas delas já nem falam mais sobre o assunto, pois, como dizem, "falar não tem levado a nada". Um dos moradores estava fazendo um trabalho em letras de isopor no terraço da casa, quando foi abordado pela reportagem. Com bastante educação e uma tristeza evidente, ele preferiu não conversar com a reportagem porque falar "não tem feito bem a ele".

Outras pessoas abordadas também preferiram não falar, tendo em vista já não haver esperança de que as coisas podem mudar. Um sentimento de abandono sem fim.

Pesca suspensa na localidade

Além dos pescadores que residem na região, há também os trabalhadores que não moram nos Flexais, mas sobrevivem da pesca na Lagoa Mundaú, atividade que, desde a semana passada, está proibida de acontecer, diante dos riscos apresentados pelo possível colapso da Mina 18, situada no Mutange.

O pescador Aurino Alves, de 55 anos, exerce a profissão desde 1982. Sem poder trabalhar há uma semana, ele conta que não sabe mais o que fazer para garantir o dinheiro que é o único sustento da casa. "A prefeitura entregou cesta básica para nós, mas cesta básica não paga boletos. Eu preciso trabalhar e estou impedido por questões de segurança", conta.

Pescador Aurino Alves, de 55 anos - Foto: Ailton Cruz

Da mesma forma, o pescador Cícero Oliveira, de 46 anos, também aguarda a liberação para exercer a profissão que garante o sustento dele, da esposa e da filha. De frente para a lagoa, à espera da boa notícia, ele conta que já pensa em "correr atrás" de outra atividade. "Vou esperar mais um pouco, na expectativa de liberarem o nosso trabalho na lagoa, mas, ao mesmo tempo, já vou tentar correr atrás de outra coisa", afirmou.

Pescador Cícero Oliveira, de 46 anos - Foto: Ailton Cruz

Revitalização x realocação

Atualmente, a região dos Flexais está inclusa em um projeto de revitalização criado a partir de um Termo de Acordo assinado, em outubro de 2022, pelo Ministério Público Federal (MPF), Prefeitura de Maceió, Ministério Público Estadual (MPAL), Defensoria Pública da União e Braskem.

O coordenador do Núcleo de Proteção Coletiva da Defensoria Pública Estadual, Ricardo Melro, sempre saiu em defesa dos moradores dos Flexais. Ele destaca que nada do que foi planejado no acordo entre as instituições vem sendo cumprido e que as pessoas continuam adoecendo e vivendo no isolamento social. De acordo com o defensor, existem vários estudos técnicos independentes que comprovam a inviabilidade de revitalização da área.

"Temos cinco estudos, de antropólogo do MPF, de antropólogo da Ufal, da Faculdade de Urbanismo e Arquitetura, da própria Defesa Civil Municipal e dos Direitos Humanos da OAB, atestando que a solução é a realocação com as devidas indenizações. As pessoas estão indo embora com uma mão na frente e outra atrás. Isso que estão fazendo com essas famílias é como um castigo. É como se, por serem pobres, não tivessem a capacidade de decidir o que é melhor para a vida delas. Como se essas pessoas não tivessem condições de definir o melhor destino", pontua o defensor.

Ele lembra que foi pago, a cada morador, uma indenização no valor de R$ 25 mil por todos os danos, para que assim, possam aceitar o destino que está sendo imposto para as famílias. "Pagaram R$ 25 mil por todos os danos. É como um cala a boca, porque eles estão abandonados e passando necessidades há alguns anos, e se oferecessem mil reais, eles iriam aceitar. As instituições precisam parar com essa fantasia de dizer que o plano de revitalização é um sucesso", afirma.

Ricardo Melro destacou que a sensação que tem é a de que as autoridades não querer dar o braço a torcer e admitir que não avaliaram a situação de forma adequada. Agora, querem ampliar a área de dano para justificar a realocação. O defensor solicitou ao Judiciário a ampliação da área de abrangência do mapa das regiões afetadas e foram dados cinco dias para que a Defesa Civil Municipal se manifeste.

"Eu lamento ter que acontecer tudo isso que vem acontecendo para levarem a sério a situação e darem o devido peso a essa questão. Eu pedi ao Judiciário a ampliação da área do mapa e foi dado cinco dias para a Defesa Civil Municipal se manifestar. As pessoas questionam o porquê de eu estar batendo somente no município, mas é por uma questão muito simples. Quem está sendo empecilho hoje é o município. O Estado se manifestou a favor dos pleitos da Defensoria e não tem apresentado resistência nenhuma à realocação dos moradores. É o município que precisa mudar", explica.

O prazo para a resposta da Defesa Civil acaba esta semana. A reportagem entrou em contato com o órgão municipal, mas até o fechamento da matéria, não tinha obtido resposta.

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