Os argentinos vão às urnas neste domingo, 19, das 8h às 18h (mesmo horário de Brasília), para eleger o próximo presidente do país. O peronista de centro Sergio Massa, do partido União pela Pátria, e o libertário Javier Milei, do A Liberdade Avança, disputam a presidência em um cenário incerto e imprevisível devido ao acirramento das eleições. As pesquisas realizadas após o surpreendente primeiro turno, que teve o advogado de 51 anos como líder — superando as expectativas e vencendo o favorito, o economista Milei —, não determinam com precisão quem está na frente. Os dois se alternam na liderança, com percentuais muito próximos, em alguns casos chegando a ficar em um empate técnico. Especialistas avaliam que essa é um das eleições mais acirradas e polarizadas desde 1983, quando a Argentina voltou a ser uma democracia após sair da ditadura militar. Essa situação impede que seja possível vislumbrar o possível cenário do país a partir do final da noite de domingo, quando os resultados forem apurados, e o vencedor, apresentado.
Alberto Pfeifer, coordenador geral do DIS, grupo de análise de estratégia internacional da USP, aponta que o segundo turno vai ser bastante apertado entre os dois candidatos, em função da polarização no eleitorado e o número expressivo de indefinidos. “A eleição vai ser acirrada em um ambiente polarizado entre duas propostas antagônicas: uma que é da continuidade, da presença do Estado na economia, do gasto público ilimitado; e a outra é da retirada gradual do Estado da economia e a prevalência do setor privado, que vai atacar o fenômeno inflacionário na raiz”, considera o especialista. Caroline Silva Pedroso, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo, ressalta que essa é uma das eleições mais importantes da história da Argentina. “Ela quebra vários paradigmas de como a política argentina vem operando tradicionalmente desde o século XX até hoje. Essa imprevisibilidade e o contexto de crise que se agrava a cada dia”, pontua.
“As duas escolhas têm seus problemas. São dois candidatos com históricos bastante problemáticos e, independentemente de qual caminho a Argentina vai escolher, os desafios vão ser muitos”, adianta, acrescentando que não vai ser fácil superar os problemas que os argentinos estão vivendo agora. O fenômeno Milei também é um dos responsáveis por essa quebra de paradigmas da política argentina. Assim como aconteceu com outros líderes ideologicamente próximos a ele, como Donald Trump e Jair Bolsonaro, há uma parcela do eleitorado “em trânsito, envergonhada, que não declara o voto publicamente”. Isso explica a grande dificuldade dos institutos de pesquisa de detectar essa tendência eleitoral. “O que faz o resultado dos líderes das eleições serem mais volumosos do que os institutos conseguem detectar”, explica Pedroso.
Christopher Mendonça, cientista politico e professor de relações internacionais do Ibmec Belo Horizonte, destaca que o que se vê hoje na Argentina é o mesmo cenário já observado em outros países da América Latina, incluindo o Brasil, nas eleições de 2022. “Seguindo o padrão latino-americano, talvez seja o pleito mais improvável. Não sabemos exatamente com tanta precisão quem vai ser o candidato eleito. É uma eleição que realmente está muito aberta, nem os institutos consegue direcionar o resultado.” Apesar de não ser possível apontar um favorito, Mendonça e Pfeifer veem Milei com mais força do que Massa. “Do ponto de vista numérico, talvez o Milei realmente seja aquele que tenha uma vantagem maior. Porque houve um apoio declarado da Patrícia Bullrich e também do ex-presidente Mauricio Macri, que é uma liderança importante nesse sentido”, lembra o professor. Ele acredita que, neste cenário, Milei seja aquele com maior possibilidade de vitória. Porém, destaca que isso não impede que Massa, assim como no primeiro turno, fique à frente.
Para Pfeifer, o fato de o libertário se colocar como uma alternativa ao sistema faz com que ele seja o favorito. “Boa parte da população vê que o sistema é responsável por essa crise. Ele, sendo uma alterativa a esse sistema político tradicional, faz dele um candidato forte. Chego a dizer que ele é o favorito.” Apesar dessas nuances que dão uma certa vantagem a Milei, Marcio Coimbra, presidente do Instituto da Democracia, lembra que não se pode esquecer a força que o peronismo tem, principalmente na reta final da eleição. “A gente pode esperar o peronismo mostrando a sua garra, porque ele controla muitos setores organizados da sociedade civil. Isso torna o partido muito forte para qualquer ciclo eleitoral”, destaca. O especialista lembra que o movimento controla sindicatos, associações de paz, grupos de professores, entre outros.
“Eles conseguem correr atrás das pessoas para fazer elas votarem no seu candidato. As pessoas viram isso nesse primeiro turno”, diz Coimbra, que acredita que Milei só ganha essa eleição se ele acordar neste domingo com uma vantagem considerável, suficiente para que a mobilização do partido peronista não consiga tirar. “Se eles chegarem empatados, quem ganha é o Massa”, crava. “Mas vai ser decidida no detalhe.” Mendonça destaca que, neste momento, não tem como fazer um diagnóstico preciso de quem será o melhor para Argentina. Massa, atual ministro da Economia, tem um programa muito mais preciso do que o do governo atual. Contudo, suas propostas representam a continuidade do que está sendo executado. E, neste cenário, a Argentina não tem conseguido respostas positivas na área macroeconômica. Já Milei traz propostas diferentes de tudo o que já foi apresentado, como a extinção do Banco Central, a dolarização da economia, um relacionamento comercial mais restrito e saída do Mercosul. “Acho difícil a gente ponderar do ponto de vista qualitativo quais são as melhores propostas. Até mesmo os argentinos estão ponderando essa situação nesse momento. Mas acredito que nós temos propostas bastante diferentes para enfrentar os problemas econômicos da Argentina.”O
Diante da difícil missão de escolher qual vai ser o futuro da Argentina, o povo se vê entre dois modelos: “Um que hoje está fracassado e outro que nunca foi testado”, diz Pedroso. Isso mostra porque Massa tem um limite de até onde consegue chegar no eleitorado. Existe uma rejeição muito grande ao que o kirchnerismo representa e ao que o governo atual conseguiu fazer em termos econômicos. Contudo, Milei também encontra dificuldades porque há limites de até que ponto que vai conseguir implementar sua agenda ultraliberal. “Não se governa sozinho”, ressalta a professora, lembrando que o Congresso tem hoje uma configuração que não é boa para nenhum dos dois. Se Milei vencer e não conseguir dar respostas muito rápidas aos problemas argentinos, ele vai sofrer uma pressão muito grande da opinião pública.
Relação Brasil e Argentina
A eleição na Argentina é um tema que chama atenção do governo brasileiro porque pode ter impactos para o país Além de vizinhos,os países são parceiros comerciais. Em entrevista ao Portal da Jovem Pan, em outubro, antes do primeiro turno, Alberto Pfeifer havia adiantado que, para o Brasil, a melhor aposta é que Milei vença as eleições, porque uma Argentina mais forte representa melhores chances de fazer negócio. “O empobrecimento dos países vizinhos é ruim para gente. A deterioração social dos países vizinhos é ruim para o Brasil. Com Milei, pelo menos há uma possibilidade de uma recuperação econômica e social da Argentina”, falou. Para Caroline Silva Pedroso é difícil cravar qual dos candidatos é a melhor opção. Segundo ela, o que interessa é a Argentina se recuperar economicamente. “A gente não tem a garantia de que isso vai acontecer com Massa, mas tem menos garantia ainda de que isso vai acontecer com Milei, porque o que ele propõe é algo muito complexo de ser colocado em prática. É algo que envolve uma ruptura muito grande com o que a Argentina vinha fazendo.” Isso pode gerar mais desconfiança do setor financeiro em relação a como o país vai lidar com as dívidas que tem hoje. Embora o modelo atual não esteja no seu melhor momento, pelos menos dá um pouco de “previsibilidade” de como a Argentina vai se comportar. Já Milei, não passa essa segurança. “Não só por aquilo que ele propõe em termos de agenda, mas até pela própria personalidade dele. A vitória do Milei pode, sim, acender um alerta para nós no Brasil e para a região como um todo.”
Fonte: Jovem Pan