A China assumiu, no começo de novembro, a presidência do Conselho de Segurança na ONU (Organização das Nações Unidas) com a promessa de restabelecer a paz no Oriente Médio, região que tem sido palco da guerra entre Israel e o Hamas desde o dia 7 de outubro, mês em que o Brasil estava no cargo. Especialistas apontam que o país asiático não vai conseguir chegar a uma solução para o conflito por uma série de fatores, mas aproveitará seu mandato para fortalecer o plano de levar para o mundo a paz através do comércio (ou seja, convencer os lados em conflito que a deposição das armas trará benefícios econômicos). Na sexta-feira, 10, o Conselho voltou a se reunir para discutir a guerra no Oriente Médio. Até o momento, nenhum dos encontros realizados teve resultado. Quatro resoluções, duas da Rússia, uma do Brasil e uma dos Estados Unidos, foram vetadas. A China é um dos membros permanentes do órgão da ONU que medeia conflitos, disputas territoriais e outras questões globais de segurança.
Vladimir Feijó, analista internacional, doutor em direito internacional e professor da Faculdade Arnaldo, afirma que a “China se apresenta como um país que não alimenta nem apoia conflitos e que gostaria de levar para o mundo a paz através do comércio, algo que os Estados Unidos fizeram bastante propaganda nas décadas de 70 e 80″. O especialista relembra que, diante do fechamento da economia na era Donald Trump e as sanções unilaterais que os EUA praticaram contra alguns países, os chineses aproveitaram esse vácuo e começaram a vender seu plano da rota da seda, o que faz com que o país não tenha interesse em um conflito de larga escala, pois isso afeta seus planos de investimentos em infraestrutura. É necessário assegurar que sua matéria-prima continue crescendo ao mesmo tempo em que outros comprem produtos chineses. Apesar da briga contra o relógio, a China pode conseguir se fortalecer por causa da falta de credibilidade dos americanos perante a um grupo de países, principalmente no Oriente Médio, devido à aliança com Israel.
A despeito do interesse chinês na rápida resolução do conflito no Oriente Médio, Feijó aponta que conseguir chegar a uma solução durante o tempo na presidência no Conselho é uma árdua tarefa devido à curta duração dos mandatos (apenas um mês). Além disso, a mediação exige um esforço muito grande para alcançar as metas propostas, além de lidar com outras agendas pré-estabelecidas”. Para que alguma solução seja colocada em prática, é preciso que todos os membros permanentes estejam de acordo. Contudo, para que se fale em uma paz duradoura, “não apenas um band-aid emergencial”, a Turquia, a Arábia Saudita e, provavelmente, o Irã, vão precisar ser atraídos para esse debate. Neste cenário, José Niemeyer, coordenador da graduação em relações internacionais do Ibmec, do Rio de Janeiro, observa que a ascensão da China como potência internacional faz com que outros países também se vejam num processo de ascensão. “No momento que a China surge como uma competidora nos Estados Unidos, outros países percebem um momento também para atuar, nem que seja na sua perspectiva mais regional ou sub-regional.”
“A China na presidência do Conselho de Segurança da ONU, depois de o Brasil ocupar essa posição, reafirma um mundo em transformação onde se questiona a hegemonia norte-americana”, afirma o professor, que não enxerga uma solução para guerra vinda da Ásia por causa das desavenças entre os membros permanentes. Vale lembrar que a resolução apresentada pelos EUA, que obteve 10 votos a favor, recebeu objeções de Rússia e China, membros permanentes e, portanto, capazes de vetar uma proposta, mesmo que ela tenha conseguido votos suficientes. Niemeyer também adiciona outro motivo para não se chegar a uma solução: o fato de o Conselho ter outros assuntos para se atentar como a guerra na Ucrânia, a tensão do mar do sul da China — Pequim não admite a independência de Taiwan —, o conflito entre as duas Coreias e as posições de França e Alemanha para reformar a União Europeia. “Tudo isso é observado no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e aí fica difícil uma decisão específica sem nenhuma influência desses outros temas com relação ao Hamas e a Israel, porque ainda é um conflito localizado”, explica Niemeyer. Vale lembrar que não se trata de uma guerra entre dois países, mas de um Estado soberano independente contra um grupo terrorista — que vive em conflito com o seu “irmão”, o Fatah, que administra a Cisjordânia.
Os especialistas não acreditam que, a curto prazo, seja possível chegar a um acordo entre Israel e Hamas para acabar com a guerra, mas pontuam soluções que poderiam ser um caminho para restabelecer a paz na região. “A maior chance de um acordo acontecer é mediante a derrubada das lideranças do Hamas e do governo de Benjamin Netanyahu. Isso envolveria uma mudança de regime, que viria internamente, somado com pressão internacional”, destaca Vladimir Feijó. Hoje o premiê israelense está com a popularidade bastante baixa, com crescentes manifestações contrárias. “Por enquanto, esse governo israelense de unidade nacional, que envolveu a oposição, até agora não fez nenhuma moção de censura ou pedido de destituição do primeiro-ministro. Mas, em algum momento, o número de mortes de soldados vai vir à tona e pode ter uma força para mudá-lo.” Para Feijó, no caso do Hamas, o Catar, que tem sido mediador de negociações para libertação de reféns, deverá se envolver. Ao mesmo tempo, em que o emirado concentra a maior base norte-americana no Oriente Médio, também é onde vivem os líderes do Hamas.
Niemeyer classifica a situação como de “difícil solução”. Segundo ele, a região não comportaria dois Estados da maneira hoje desenhada: um administrado por um grupo terrorista violento e o outro por um braço político que não é respeitado. “Gaza e Cisjordânia ficam em regiões separadas, e no meio delas tem Israel. É muito difícil essa situação. Eu acho um conflito de difícil solução. O que pode ocorrer é um cessar-fogo mais prolongado. Mas, depois dos atentados bárbaros daquele final de semana, Israel vai continuar pressionando 24 horas a região da Faixa de Gaza, com essa intenção de eliminar o Hamas”, conclui. O prazo para a China conseguir levantar a bandeira branca no Oriente Médio vai até o final de novembro. Em dezembro, quem assumirá a cadeira máxima do Conselho de Segurança será o Equador.
Fonte: Jovem Pan