A demora na inclusão dos brasileiros na lista de autorizados a deixar a Faixa de Gaza gerou uma série de rumores do que impede a repatriação desses cidadãos, que só receberam o aval na sexta-feira, 10, após a divulgação de sete listas. Esse ocorrido ameaça respingar na imagem internacional do Brasil, que, desde o começo do governo Lula, iniciado em janeiro deste ano, focou nas relações exteriores e se comprometeu a fazer do Brasil uma potência. Em entrevista coletiva, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, chamou de complexa a libertação porque a situação na região ainda não permite estabelecer uma data certa de quando os nacionais poderão deixar o enclave palestino — há um acordo entre as partes em que está estabelecido que a prioridade são as ambulâncias que levam os feridos para o Egito e só depois os estrangeiros. Ele também enfatizou que o grupo de brasileiros na região é pequeno em relação aos demais Estados. Ao todo, são 34 pessoas. Contudo, já há uma considerável quantidade de estrangeiros que conseguiram deixar Gaza desde a primeira abertura, no dia 1º de novembro. Foram pioneiros cidadãos de países como Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido, aliados de Israel e que demonstraram seu apoio aos israelenses nesta guerra desde seu início, em 7 de outubro. Também apareceram pessoas da Indonésia, que nem reconhece a Palestina como Estado, aumentando ainda mais as especulações do que estaria por trás da demora em incluir os brasileiros na lista.
Especialistas ouvidos pelo portal da Jovem Pan afirmam que esse episódio pode trazer consequências para a imagem internacional do Brasil. “A capacidade de um governo de repatriar seus cidadãos em tempos de crise pode ter impacto na sua imagem internacional e nas suas aspirações de projeção de poder”, atenta Késsio Lemos, doutor em relações internacionais e pesquisador no Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia. “Contudo, a influência de tais eventos na trajetória de um país para se tornar uma potência internacional é apenas um elemento entre muitos outros que definem o status de uma nação no cenário global”, acrescenta. Lemos destaca que “a eficácia das operações de repatriação pode refletir na percepção da capacidade de um governo de proteger seus cidadãos, mas não determina por si só a posição de um país como potência internacional”. Para Igor Lucena, economista e doutor em relações internacionais, mesmo que o Brasil tenha tido uma boa presidência no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) durante o mês de outubro — no período em que houve o início da guerra no Oriente Médio — e tenha trabalhado nas relações internacionais, não será uma grande potência internacional.
“O Brasil é um dos players do G20, é um importante player internacional, mas não é uma grande potência internacional ao ponto de conseguir resolver conflitos militares como na Ucrânia e em Rússia, ou de Israel com o Hamas”, pontua o especialista, que classifica essa ambição brasileira como bastante equivocada. “O Brasil é uma potência regional e acho que tem que trabalhar a sua decisão para ser uma potência na América Latina“, opina Lucena. “As posições do Brasil hoje, nesses aspectos, são muito longe de posições capazes de resolver de fato esses tipos de conflitos. A gente precisa entender um pouco o nosso local para termos efetividade na política internacional”, acrescenta. Ele enfatiza a necessidade de o Brasil se tornar um líder regional e utilizar a sua capacidade internacional para melhorar o comércio e o desenvolvimento econômico da América Latina e pontua que o melhor caminho a ser seguido seria avançar no acordo do Mercosul e União Europeia, tornar-se uma grande potência econômica, ampliar os players locais (como a Bolívia) e até avançar em parcerias com a Aliança do Pacífico. “Essa visão do Brasil de ser uma grande potência internacional e tentar rivalizar com os Estados Unidos, China e outras nações não será possível porque o Brasil não tem habilidade do ponto de vista militar”, observa. “O país tem processos econômicos que não estão sendo colocados como prioridade e que, de fato, nos últimos talvez oito anos, não se mostraram efetivos, seja por políticas de direita ou de esquerda.”
O que rendeu elogios ao Itamaraty durante a guerra no Oriente Médio foi a operação Voltando a Paz, que visa resgatar cidadãos brasileiros em Israel e Gaza que desejam deixar a zona de conflito. No entanto, até agora, só foram repatriados aqueles que estavam em solo israelense. Lemos destaca que as operações de repatriação em Gaza são mais complexas devido ao controle de fronteiras e às restrições de movimento impostas. “As operações em Israel podem ter sido facilitadas por uma infraestrutura mais acessível, por um menor risco de fuga de terroristas e por relações diplomáticas mais estáveis”, diz. Israel afirma ter encontrado terroristas saindo em ambulância, o que justifica um rigor maior no controle fronteiriço.
A sensação de que prioridade é dada para quem presta apoio incondicional a Israel ou tem uma posição clara contra o Hamas criou uma animosidade entre os governos brasileiro e israelense, embora o Itamaraty nunca tenha acusado formalmente o Estado hebreu de dificultar a saída do grupo formado por 34 pessoas. “Como há uma visão dúbia do governo brasileiro, mesmo que o governo não faça isso abertamente e condene o terrorismo, existe, sim, na visão de Israel, e faz com que os brasileiros não sejam prioridades”, conclui Lucena.
Fonte: Jovem Pan