Desde que Israel sofreu o maior ataque desde sua fundação, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu — e outros integrantes de seu governo — tem insistido no mantra de destruir o Hamas, grupo terrorista que invadiu o território israelense no dia 7 de outubro e iniciou uma guerra que se encaminha para sua terceira semana, com aproximadamente 6.000 mortos, sendo a maioria na Faixa de Gaza. “Os terroristas do Hamas têm duas opções: serem abatidos ou se renderem sem impor condições. Não há terceira opção”, disse Yoav Gallant, ministro da Defesa de Israel, que prometeu destruir o Hamas com o plano de guerra que conta com três etapas. A primeira são os ataques aéreos e ofensiva por terra; a segunda será combater “bolsões de resistência” dentro do enclave palestino; e a terceira saída das tropas israelenses é criar um novo regime de segurança que traria “uma nova realidade para a segurança dos cidadãos de Israel”.
Netanyahu também disse que vai vencer essa guerra usando força total. O Hamas, por sua vez, diz não ter medo da ameaça israelense. O premiê já chegou a dar várias declarações em que comparava o grupo islâmico com o nazismo e conclamou o mundo para destruí-lo da mesma forma que fizeram com os adeptos de Adolf Hitler. Mas apesar das falas duras e do plano de guerra imposto por Israel para esse conflito, urge uma grande questão: é possível acabar com um grupo terrorista como o Hamas? Especialistas ouvidos pelo portal da Jovem Pan dizem que sim, mas não da forma que Israel idealiza. “Não é possível destruir o Hamas porque não tem rosto, um local específico, não estamos falando de uma guerra clássica de Estados, como Rússia e Ucrânia, mas de uma organização terrorista”, explica o cientista político Leandro Consentino. “Há uma possibilidade de diminuir a influência e sufocá-lo, mas destruir por completo é uma utopia. Quanto mais aumenta a retórica, mais se pode radicalizar estes grupos”, acrescenta.
Eduardo Saldanha, doutor em direito internacional, caminha pelo mesmo pensamento de Consentino e tenta explicar o que o governo israelense quer dizer com “destruir o Hamas”. “Podemos ler essa fala de algumas formas. Destruir o Hamas não é acabar com o Hamas como grupo terrorista, na estrita acepção da palavra, ou seja, um grupo que pode se deslocar, pode estar em qualquer lugar, mas sim o Hamas como entidade política dentro da Palestina”, indica o professor. “Grupos terroristas você não elimina, porque eles são movidos de maneira pulverizada, de maneira espalhada. O que Netanyahu quer é tirar o Hamas como qualquer alternativa de representação política dentro da Faixa de Gaza. E isso, sim, é possível.” A retomada de Gaza por Israel 18 anos após sua retirada completa do local era algo que alguns analistas previam. Porém, na sexta-feira, 20, o ministro de Defesa de Israel informou que o país não tem o interessem de ficar no enclave palestino para sempre e que a terceira fase do plano de guerra representaria o fim da responsabilidade de Israel com Gaza. Atualmente, os israelenses controlam o que entra e sai da região. Não por acaso, há uma crise humanitária, e boa parte do mundo está à espera da abertura da passagem de Rafah, fronteira entre Gaza e o Egito, para a chegada de itens de primeira necessidade e a saída de refugiados.
Para Saldanha, uma possível retomada do controle de Gaza por Israel seria uma decisão bastante temerária. Gaza é, além de tudo, um símbolo para o mundo árabe e o mundo muçulmano. “A queda do enclave representaria palestinos deslocados, e isso geraria, além de uma crise humanitária, também uma escalada do conflito, até mesmo a entrada de outras nações nesta guerra”, projeta o especialista. Cerca de 2,2 milhões de pessoas moravam em Gaza antes do conflito. Desses, mais de 1 milhão são refugiados internos neste momento e mais de 4.000 morreram. Consentino lembra que Israel tem uma situação mal resolvida com Gaza e Cisjordânia — apesar de não ser o centro dos ataques, constantemente há manifestações nas regiões, mesmo durante a guerra. “Uma tentativa israelense de tomar esses territórios pode gerar instabilidade maior, mas o grande temor é que contamine relações regionais e possa disseminar para um campo mais aberto e gerar uma comoção do mundo árabe contra Israel”, aponta o especialista.
O ataque a um hospital em Gaza nesta semana já destabilizou a imagem de Israel, a despeito do que é real e o que é propaganda de guerra. De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, o foguete que atingiu o local é israelense e deixou 471 mortos. Os aliados de Tel Aviv contradizem o Hamas, culpam a Jihad Islâmica e apontam um número de mortos menor (não chegaria a uma centena). A comunidade internacional condenou o ocorrido. Análises preliminares de Israel, Estados Unidos e França mostraram que o foguete responsável pela explosão teria partido de dentro de Gaza e que o Exército israelense não tem envolvimento. Esse acontecido corrobora o pensamento de Igor Lucena sobre esta ser apenas uma das guerras que está acontecendo na região. “Existem três guerras: a militar, a de espionagem (as mortes dos líderes do Hamas ao redor do planeta) e a de comunicação.” Ele aponta este ataque ao hospital como a maior delas. “A batalha de mídia e a forma como o Hamas propagou isso afetou o planeta de uma maneira tão grande que gerou uma onda contra Israel. Através da inversão da realidade, a gente viu ataque ao redor do mundo”, pontua o especialista, acrescentando que isso mostra que o conflito não está afetando apenas a região, mas traspassando para outros cantos do planeta.
Para Eduardo Saldanha, esse conflito entra numa fase bastante complicada para países terceiros, que é a fase da real crise humanitária e da solução dos civis. “Israel já utilizou o seu direito de defesa e está prestes a fazer uma incursão terrestre, e é neste momento que a crise humanitária começa”, afirma o especialista. A partir daí, a grande primeira questão com a qual vamos precisar lidar é a crise humanitária, que vai para além da ajuda que está sendo enviada pelos países para a região. “O grande problema está quem vai acolher estes refugiados”, destaca Saldanha, que projeta esse acolhimento em dois momentos. “O primeiro são as ações emergenciais, ou seja, médico, um teto para eles estarem e alimentação… Mas a segunda fase é a mais complicada, que é a fase de resiliência. Essas pessoas que vão sair da Faixa de Gaza vão para algum lugar. E quem vai acolher? Emprego, renda, moradia. Tudo isso entra nessa equação.”
Em relação à incursão terrestre de Israel, que o ministro da Defesa de Israel promete realizar em breve, Leandro Consentino não vê motivos para acreditar que acontecerá. “Essa incursão terrestre tem muito da tentativa de Israel de dissuadir [o Hamas] e tentar fazer ameaças criveis de que essa retaliação ocorrerá após os ataques de 7 de outubro”, diz. É uma forma de Netanyahu dar uma resposta interna, mas, depois das imagens de Gaza que circularam o mundo, Israel perdeu o “chapéu moral” de se colocar como vítima. Saldanha concorda que o primeiro-ministro israelense já está “queimado politicamente”. Contudo, defende a necessidade de uma invasão por terra para resgatar os 197 reféns sequestrados pelo Hamas. “Nesse momento, não há alternativa, porque você não consegue resgatar reféns em incursões aéreas, em bombardeios remotos, somente fazendo uma incursão terrestre. Então, neste momento, a defesa israelense não tem outra alternativa a não ser buscar essa incursão terrestre”. Na sexta-feira, 20, o Hamas libertou duas reféns de nacionalidade norte-americana e se disse disposto a negociar a libertação dos demais.
Fonte: Jovem Pan