Devido às tensões que suas declarações recentes provocaram, o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na cúpula do G77+China, realizado neste ano em Havana, capital de Cuba, era aguardado com apreensão. E mais uma vez o mandatário do Brasil se aproximou de ditaduras e estremeceu sua relação com o Ocidente, sobretudo os Estados Unidos. Logo no início de sua fala, o petista fez afagos aos anfitriões, vítima de um “embargo econômico ilegal”, segundo ele. “É de especial significado que, neste momento de grandes transformações geopolíticas, esta cúpula seja realizada aqui, em Havana. Cuba tem sido defensora de uma governança global mais justa e, até hoje, é vítima de um embargo econômico ilegal. O Brasil é contra qualquer medida coercitiva de caráter unilateral. Rechaçamos a inclusão de Cuba na lista de Estados patrocinadores do terrorismo”, disse Lula. Após a cúpula de países em desenvolvimento, que nesta edição recebe a China, o líder brasileiro seguirá para Nova York, nos EUA, onde participará da Assembleia-Geral da ONU.
Lula ainda aproveitou o evento para se reafirmar como um dos principais atores do chamado Sul Global, termo pelo qual são conhecidos os países em desenvolvimento e com relevância no cenário geopolítico. “O G77 foi fundamental para expor as anomalias do comércio global e para defender a construção de uma nova ordem econômica internacional. Infelizmente, muitas das nossas demandas nunca foram atendidas. A governança mundial segue assimétrica. A ONU, o sistema Bretton Woods e a OMC estão perdendo credibilidade. Não podemos nos dividir. Devemos forjar uma visão comum que leve em consideração as preocupações dos países de renda baixa e média e de outros grupos mais vulneráveis […] Na década de 80, o Brasil foi pioneiro na cooperação Sul-Sul em matéria de ciência, tecnologia e inovação, ao estabelecer parceria na área nuclear com a Argentina e na área espacial com a China. Essas duas iniciativas de cooperação frutificam até hoje. Ao resgatar o protagonismo do Brasil no mundo, conferimos caráter especial à cooperação científica e tecnológica entre países em desenvolvimento em nossa política externa”, discursou o petista.
A “revolução digital” e a “transição energética” foram listadas pelo brasileiro como as duas grandes transformações em curso atualmente. Ele alertou, no entanto, para os “efeitos colaterais ameaçadores” do avanço tecnológico. “Grandes multinacionais do setor de tecnologia possuem modelo de negócios que acentua a concentração de riquezas, desrespeita leis trabalhistas e muitas vezes alimenta violações de direitos humanos e fomenta o extremismo. Corremos riscos que vão da perda de privacidade ao uso de armas autônomas, passando pelo viés racista de muitos algoritmos”, disse. Sobre o segundo tema, o petista destacou que “a emergência climática nos impõe novos imperativos”. Destacou industrialização sustentável, energias renováveis e agricultura de baixo carbono como soluções a médio e longo prazo. E, mais uma vez, cobrou os países desenvolvidos. “Faremos isso sem esquecer que não temos a mesma dívida histórica dos países ricos pelo aquecimento global. O princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas permanece válido. É por isso que o financiamento climático tem de ser assegurado a todos os países em desenvolvimento, segundo suas necessidades e prioridade.”
O duro discurso contra países ocidentais tensiona a chegada de Lula na Assembleia-Geral das Nações Unidas. Ele viajará para Nova York ainda neste sábado e deverá chegar na cidade americana por volta das 20h locais (21h de Brasília). Oficialmente, a reunião da ONU já começou, mas o Debate Geral, com pronunciamentos de todos os Estados-membros, terá seu pontapé inicial na próxima terça-feira, 19, e será encerrado apenas na terça seguinte, dia 26. Neste ano, já aguardado discurso de abertura será do Brasil.
Jovem Pan