O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou na noite desta sexta-feira, 15, em Havana, capital de Cuba, para participar da reunião de cúpula do G77. O grupo reúne países em desenvolvimento e tem como objetivo articular movimentos de interesse coletivo entre as nações. O Brasil é um dos 77 membros fundadores do bloco, que já conta com 134 membros. O evento tem como tema “os desafios atuais para o desenvolvimento: o papel da ciência, da tecnologia e da inovação” e nesta edição terá a participação da China. Além da participação na cúpula, Lula terá reuniões bilaterais com o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), Qu Dongyu, e com o presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel. Depois de deixar o país caribenho, o petista irá para Nova York, onde participará e fará o discurso de abertura Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). A recepção do mandatário brasileiro no segundo evento está diretamente ligada às suas falas no primeiro.
O discurso de Lula na ONU é sendo muito aguardo, especialmente por causa das declarações polêmicas do petista. Dentre elas, estão acenos à Rússia, como as falas sobre Vladimir Putin não ser preso caso venha ao Brasil e uma posição neutra sobre a guerra da Ucrânia, e distanciamento do Ocidente. Ao portal da Jovem Pan, o cientista político e professor de relações Internacionais do Insper Leandro Consentino analisou o cenário do discurso de Lula, dizendo que o mundo estará de olho para entender qual é a posição do Brasil. “Sem dúvidas, vai estar de olho na questão do Lula, porque ele está buscando um protagonismo de não alinhamento [com o Ocidente], como é característica do G77 desde que foi fundado, na década de 60. É importante ter as declarações dele por conta do que será esse movimento de distância. Por outro lado, ele não tem empreendido isso da melhor maneira possível. Alguns analistas declaram que o Lula, buscando essa equidistância, acaba caindo próximo da China e da Rússia. Como a reunião será do G77 com a China, é bem provável que as declarações possam aproximar ainda mais o Lula dessa agenda”, explica Consentino.
A reunião do G77 será um ambiente propício para que Lula faça declarações contra o Ocidente e reforce parcerias fora do eixo Estados Unidos-Europa. “O mundo estará atento para onde caminha o Brasil. Se permanece numa equidistância entre Ocidente e o bloco mais composto pelas autocracias orientais, ou se, de fato, ele, de alguma forma, investe na aproximação com a China novamente. […] Isso pode criar mais um foco de tensão, sobretudo pelo nível de declarações e a maneira como Lula se posicionará na agenda. O G77 é um fórum que reúne países em desenvolvimento, então vai estar propício o ambiente para que ele faça declarações contra o Ocidente ou reforçando parcerias”, diz Leandro.
Sobre o tom das declarações de Lula durante a reunião em Havana, Leandro disse acreditar que ele voltará a buscar a liderança do Sul Global, temor em voga nas relações internacionais que denomina as nações em desenvolvimento e com certa relevância no cenário geopolítico. Um bom exemplo é o dos países membros dos Brics: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. “É difícil saber que postura Lula tomará n G77. Eu acredito em uma postura crítica ao Ocidente e aos países desenvolvidos e em busca de liderança daquilo que a diplomacia desse terceiro governo Lula está chamando de Sul Global. Parece que esse será o tom das declarações e dos posicionamentos na cúpula do G77.”
As falas de Lula que causaram mal-estar com o Ocidente
“Putin não deveria ter invadido a Ucrânia. Mas não é só o Putin que é culpado, são culpados os EUA e é culpada a União Europeia. Qual é a razão da invasão da Ucrânia? É a Otan? Os EUA e a Europa poderiam ter dito: ‘A Ucrânia não vai entrar na Otan’. Estaria resolvido”
Lula, em maio de 2022, culpando EUA e UE pela guerra“É preciso que os EUA parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz, para a gente convencer o Putin e o Zelenski de que a paz interessa a todo mundo”
Lula, em abril de 2023m duzendo que o governo Biden incentiva a guerra“O Zelensky não pode também ter tudo o que ele pensa que vai querer”
Lula, em abril de 2023, sobre o presidente da Ucrânia
“Eu vou em lugares em que as pessoas nem sabem onde fica a Venezuela, mas sabem que a Venezuela tem problema de democracia, que o governo ‘não sei das quantas’. Então, é preciso que você construa sua narrativa”
Lula, a Nicolás Madura, durante visita do presidente venezuelano em maio de 2023“O que eu disse, na verdade, é que desde que o Chávez tomou posse foi construída narrativa de que ele é um demônio. Foi assim comigo”
Lula, ainda em maio, explicando-se sobre a conversa com Maduro“Aquilo que foi criado depois da Segunda Guerra Mundial, as instituições de Bretton Woods, não funcionam mais”
Lula, em junho de 2023, durante cúpula em Paris“Eu acho que o Putin pode ir tranquilamente para o Brasil. Se eu for o presidente e ele for ao Brasil, não há por que ele ser preso”
Lula, no último dia 9“Eu nem sabia da existência desse tribunal”
Lula, em 11 de setembro, sobre o Tribunal Penal Internacional
Reaproximação com Cuba
Ao comentar os compromissos de Lula com o presidente cubano, o professor diz que a reaproximação entre as duas nações irá acontecer e que tem um caráter simbólico envolvido. “É uma reaproximação simbólica, sobretudo da mudança de eixo da política externa do governo Bolsonaro, que se distanciava de Cuba e criticava o país. É uma reaproximação nos moldes do que o próprio Partidos dos Trabalhadores já fazia no passado com Cuba, ainda que seja um regime autoritário, com sérios problemas e reservas, sem muito oferecer do ponto de vista da pauta comercial do Brasil. Mas há uma identidade ideológica nesse sentido.”
Fonte: Jovem Pan