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Arcabouço fiscal

"Há setores sem compromisso com a democracia que estão com o governo Lula", diz Roberto Freire

Figura atuante no cenário político brasileiro desde a redemocratização, Roberto Freire é o atual presidente do Cidadania, sigla que tem uma bancada formada por quatro parlamentares no Congresso Nacional.

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Figura atuante no cenário político brasileiro desde a redemocratização, Roberto Freire é o atual presidente do Cidadania, sigla que tem uma bancada formada por quatro parlamentares no Congresso Nacional. Candidato a presidente pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) nas eleições de 1989, o político foi oposição ao governo Lula em seus dois primeiros mandatos e decidiu apoiá-lo desta vez porque, segundo ele, a democracia sofria riscos. Porém, nesta aliança, há divergências, sobretudo no que diz respeito a flertes de setores do PT com ditaduras. “Temos que combater esses laicos autoritários, que, de vez em quando, surgem no governo Lula. No geral, do ponto de vista da condução política e econômica, nós temos muitas concordâncias, sobretudo com o que a dobradinha Haddad e Simone vem realizando no governo”, diz, em entrevista ao site da Jovem Pan. Para além das divergências, Freire considera a reforma tributária um acerto, porque vai “acabar com alguns privilégios que são abusivos aos mais pobres”. Na conversa com a reportagem, o dirigente partidário também chama de “excesso” o pacote da Segurança Pública apresentado na última semana pelo presidente Lula e o ministro da Justiça, Flávio Dino. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

O Cidadania é um partido independente, mas apoiou Lula no segundo turno. Como avalia o governo até aqui? O Cidadania, como partido, tem uma decisão de apoio ao governo, mas a bancada da sigla se posiciona com independência. Olha, primeiro nós votamos em Lula no segundo turno e na Simone Tebet (MDB) no primeiro turno. Tivemos essa posição no segundo turno, muito claramente, pela defesa da continuidade do processo democrático. Tínhamos avaliado, e a vida nos mostrou que estávamos com razão, que o governo Bolsonaro colocaria o Brasil em um caminho e rumo evidentemente antidemocráticos. A tentativa de golpe que está sendo investigada e processada pela Justiça brasileira era um fato. Havia essa intenção. E quase durante todo o mandato eram claras as inclinações de Bolsonaro com um regime autoritário, e, também, sem dúvida alguma, de desrespeito à Constituição. Então, com essa avaliação nós votamos em Lula no segundo turno, junto com o partido. A partir daí, só podemos dizer que tem esse aspecto positivo. Mas, ao mesmo tempo, e esse é o grave do processo, há setores, hoje, que não têm compromisso com a democracia e estão com o governo Lula. E são vários atos e fatos que corroboram com isso. Precisamos ficar atentos também para que estes setores ligados ao lulopetismo, vamos chamar assim, tenham proeminência no processo. Temos que combater esses laicos autoritários, que, de vez em quando, surgem no governo Lula. No geral, do ponto de vista da condução política e econômica, nós temos muitas concordâncias, sobretudo com o que a dobradinha Haddad e Simone vem realizando no governo.

O senhor se manifestou a favor do presidente do Chile, Gabriel Boric, que fez exigências à Venezuela sobre o fim da ditadura. Como avalia o posicionamento de Lula sobre o governo Maduro? Temos uma profunda divergência com o PT nessas avaliações sobre apoio a ditaduras de forma geral. No PT, em especial, com as ditaduras de esquerda, mas não só deste campo político, porque apoiam a ditadura de Putin, que não tem nada a ver com a esquerda. Apoiam, inclusive, ditaduras teocráticas de profundo atraso e intolerância, como a do Irã. E na América Latina, os casos bem evidentes de Cuba, da Venezuela e da Nicarágua. Essa divergência já vem de algum tempo. Desde a época em que nós estávamos ainda com o PCB, já tínhamos dado um rumo de que a democracia é um valor universal; e isso veio se consolidando com o PPS e, definitivamente, com Cidadania. Portanto, há uma profunda divergência com o PT nessa questão de apoio às ditaduras. No caso da sua pergunta, especificamente de Maduro, evidentemente, também discordamos.

Qual a opinião do senhor sobre o modelo político atual, no qual a troca de apoio se sustenta, sobretudo, no loteamento de ministérios e pagamento de emendas? Não se pode ficar governando sozinho, especialmente, se não tem maioria no Congresso, não é? Existem diferenças, são partidos distintos, e para se ter a chamada governabilidade é preciso compor o governo com uma frente maior. Tanto é que defendíamos que, logo após a eleição, se pegasse aquela frente ampla que se formou no processo eleitoral e se viabilizasse e se estruturasse em base para o próprio governo. Se isso tenha necessariamente de ser mais amplo, que seja. O que se pode condenar nesse processo de composição e de articulação de vários partidos para a base de sustentação de um governo é que seja feito por meio de processos não republicanos; que não seja com bases programáticas e que envolva processos que podem imperar a continuidade de um chamado orçamento secreto. Isso, evidentemente, não é só não republicano. Isso vai cobrar, não tenho dúvida, do próprio governo, determinadas correções. Até porque não se pode ficar imaginando governar transformando o Congresso Nacional em uma imensa e cara Câmara de Vereadores, que distribui e pulveriza emendas no valor de bilhões para pequenas obras e pequenos eventos que não correspondem ao que cabe a uma Câmara de Deputados e ao Senado em uma Federação Republicana, como é o caso do Brasil.

O Congresso vem avançando sobre o controle do orçamento há alguns anos, com a impositividade das emendas, mas isso se acentuou com o orçamento secreto sob Bolsonaro. Hoje, os parlamentares não querem retroceder. Esse foi um legado ruim deixado pelo ex-presidente? Isso é uma questão do Bolsonaro, que foi responsável pela implementação, inclusive, por ter medo de sofrer um impeachment. Então, ele abriu mão de um poder que podia exercer, embora a gente saiba que é compartido, até porque o orçamento não é uma peça única e exclusivamente do Executivo. O Executivo propõe o orçamento, e o Congresso se associa ao aprovar, inclusive, fazendo e sendo competente para emendar. Então, o que tem havido é uma ampliação da capacidade do Congresso de emendar esse orçamento, inclusive com emendas parlamentares, ou seja, para ser definida pelo Parlamento. Isso já ocorre há algum tempo com as chamadas emendas impositivas, que se denominou como orçamento secreto no governo Bolsonaro, e está sendo mantido com o governo Lula. A minha avaliação é de que isso é algo profundamente equivocado, isso transforma a Câmara e o Senado em poderes mais similares a uma Câmara de Vereadores do que um Parlamento Federal.

Isso é uma dispersão de recurso que, na minha opinião, é inadmissível. Com alguns desses recursos que são pulverizados, poderíamos enfrentar graves problemas nacionais. Posso citar um: a falta de saneamento básico, que afeta mais de 100 milhões de brasileiros. Se os recursos fossem destinados para enfrentar estes problemas, isso seria resolvido em menos de cinco anos. Pode ser que aqui ou ali esteja um efeito benéfico e positivo, mas no geral isso, evidentemente, não é algo que possa catalogar como de interesse federativo e nacional. Isso é algo que você teria que estar discutindo na reforma tributária, que está aí, e até tem uma boa concepção de distribuição de recursos para os entes da Federação. A Câmara e o Senado são órgãos federais e deveriam estar vinculados a interesses federais. Aí vem o pior: emendas que têm pouca transparência. Isso não é um problema do governo Lula ou do PT, trata-se de um problema nacional. Claro que, infelizmente, Lula não está enfrentando da forma que deveria, está mantendo aquilo que foi um absurdo de abuso no governo Bolsonaro, do ex-presidente com os presidentes da Câmara e do Senado, bom que se frise isso, para não ficar apenas como se fosse responsabilidade do Executivo.

A reforma tributária foi um acerto? Claro. Isso já era uma necessidade desde a Constituinte. Imposto de consumo é onde se consome, não onde se produz, na origem dos bens e produtos. Nesse sentido, a reforma está chegando com um longo atraso, não pequeno atraso. Além de romper com outras distorções que são gravíssimas no sistema tributário brasileiro: incentivos e subsídios são concebidos sem nenhuma avaliação dos seus benefícios, ao contrário, vários deles são irrelevantes e prejudiciais à própria economia brasileira, mas permanentemente continuam. A reforma tributária pode resolver grande parte deste problema. Pode, por meio da alíquota do imposto de renda, acabar com alguns privilégios que são abusivos. Não só com as alíquotas que são absurdas para aqueles de menor renda, e são absurdas também pela irrelevância para as mais altas rendas. Subsidiamos gastos dos mais ricos, enquanto os mais pobres recebem serviços que não correspondem às efetivas necessidades do país. Basta ver a educação, que privilegia os que têm acesso e que pagam pelo serviço. E, nesse sentido, também à saúde, é inadmissível isso. Daí a importância da reforma tributária, não tenho nenhuma dúvida.

O Cidadania formou federação com o PSDB. Quais as perspectivas do grupo para as eleições do ano que vem? A coligação com o PSDB eu considero que ainda não é suficiente para construirmos uma alternativa democrática para o país. Ela é boa base, mas a base melhor foi aquela que a gente construiu em 2022 com a candidatura de Simone Tebet. Aquilo que se construiu como alternativa em 2022, seja ao lulismo, seja ao bolsonarismo, deve continuar sendo construído, ou seja, a federação PSDB e Cidadania e a aliança com o MDB. É possível que o MDB participe, inclusive, dessa federação cocriada. Na eleição municipal, pode se ter este tipo de conformação nos grandes municípios e nas capitais, mas na maioria dos municípios se tem alianças das mais diversas, por conta de questões muito locais. Essas conformações e alianças nacionais são mais visíveis em grandes cidades e capitais, e mesmo assim com nuances.

Qual a avaliação do senhor sobre o denominado pacote da segurança apresentado por Lula e Dino na última semana? Eu acho isso um excesso, um perigoso excesso. Por quê? Porque para se punir os golpistas do 8 de Janeiro não precisa de uma nova legislação, porque a que está aí já está processando. Todos eles estão sendo processados. Não precisa lei nova alguma e nenhum outro pacote. O ordenamento político brasileiro já contempla a punição de atos antidemocráticos, como os que foram praticados. Não precisa criar nada de novo em relação a isso. Em segundo lugar: não acho que precisa aumentar crimes contra autoridade alguma, pois isso cabe em regime ditatorial. Em regime democrático a autoridade tem uma vida que deve ser respeitada da mesma forma que a vida de qualquer cidadão brasileiro. Não deve ter diferença alguma. A pena máxima de crime contra a vida, pouco importa que a vítima seja autoridade ou não, é uma vida que merece ser resguardada do mesmo jeito, sem privilégio algum. Isso é um absurdo. Um exemplo: a Lei de Segurança Nacional da Ditadura punia quem com palavras ou atos atentasse contra a honra das autoridades – e não era só autoridade brasileira. Houve um fato, que foi tremendamente discutido e condenado, mas que foi aplicado: havia um deputado do MDB, Chico Pinto, da Bahia, que chamou Pinochet de ditador e assassino. Por ter dito isso, foi caçado pelo regime com base na Lei de Segurança Nacional. É isso que se quer? Não tem que ter nada disso, se a autoridade se sentir atingida em sua honra ou qualquer reparação de quem quer que seja, que procure a Justiça, pois a lei atual brasileira garante esse direito. Concede e pune, se a Justiça assim julgar aquele que proferiu a calúnia, a difamação e a injúria. Mas transformar isso como uma questão de defesa de Estado, de segurança nacional, é um absurdo.

Fonte: Jovem Pan

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