Uma experiência para apagar da memória. É dessa forma que a atleta de mergulho Karoline Meyer classifica a angústia de ficar fora de um campeonato mundial devido ao extravio de todo o seu equipamento em um voo da Latam. A passageira que embarcou em Florianópolis relata que participaria de uma competição em uma ilha do Caribe. Mas na conexão em Miami, sua mala não apareceu na esteira. Ela conta que, mesmo assim, seguiu viagem esperando que a bagagem chegasse no destino brevemente em um próximo voo. A espera durou longos dias – e nada de seus pertences aparecerem. “Eu tinha uma mala com todas as roupas, roupas de mergulho, alimentação, vitaminas, suplementos, porque eu ia para uma ilha remota. Não tinha nada lá. Para treinar e participar de uma prova. Essa mala ficou uma semana largada no aeroporto de Miami. Na época, tinha um seguro que cobria 300 dólares de mala. Com 300 dólares não conseguia. Eu não tinha nem o que comprar. Não tinha nada na ilha. Então, fiquei completamente sem nada, pedindo ajuda para os outros atletas que estavam chegando. Uma russa me ajudou. Me emprestou roupas como essa, mas roupa que ficava apertada, óculos que não era meu, nadadeira que não era minha. Era tudo emprestado, desconfortável para quem ia treinar. Uma coisa que era limite de performance. É que nem dar um outro carro de Fórmula 1 para outro cara correr e dizer ‘corre aí’. A princípio dá para se virar, mas a mala não chegou”, relatou Karoline.
Foram inúmeras ligações. Estafada de tanto tentar localizar sua mala, restou à atleta brasileira voltar para casa carregando não sua bagagem, mas sim muita frustração. Quando a mala foi devolvida, conta, a bagagem estava muito danificada. “Comecei a passar horas no telefone tentando falar em várias línguas para ver quem poderia me atender. No final, tive que voltar, porque não daria mais. O estresse é muito grande. Por mais que eu tentasse ajudar e tinha ajuda, não era mais a mesma coisa. Eu já estava em fadiga mental com o problema. E voltei. Voltei, não fiz a prova. E depois eles me devolveram a mala, mas ficou completamente amassada, destruída. Não sei o que fizeram com aquela mala. Uma mala grande, que era bem compacta e difícil de estragar. Até porque ela estava bem montada, bem empacotada, mas conseguiram, além de destruir a viagem, destruir a mala”, continuou a atleta.
Contratempo ainda mais grave que o da Karoline viveram Jeanne Paolini e a Kátyna Baía, que depois de despacharem suas bagagens no balcão de check-in da Latam, tiveram suas malas trocadas por outras contendo drogas, ainda no aeroporto internacional de Guarulhos. Ao desembarcarem na Alemanha, a dupla foi presa injustamente e passou semanas traumatizantes na cadeia até conseguirem provar a inocência. O advogado especialista em direito do consumidor, Marco Antônio Araújo Júnior, diz que a Latam tem responsabilidade direta sobre o caso, porque as clientes pagaram o bilhete para voar e receber suas próprias bagagens intactas, fato que não ocorreu. Para ele, não foi garantida segurança às consumidoras. “A companhia aérea deixou de oferecer às suas clientes, às suas consumidoras, a segurança que elas legitimamente esperavam. A segurança que elas contrataram no instante em que compraram uma passagem aérea. Permitir a troca das etiquetas, permitir o manuseio da bagagem, permitir que a bagagem de alguma maneira seja modificada, mexida, que alguma coisa seja retirada ou incluída na mala de um passageiro, é deixar de oferecer segurança ao passageiro que contratou aquele serviço de transporte, tanto pessoal quanto da bagagem. E ele deve responder por isso. Para nós, no Código de Defesa do Consumidor, essa é uma responsabilidade que se dá pelo fato, em razão de um acidente de consumo que ocorreu com as consumidoras. As consumidoras foram presas, tiveram aí uma situação talvez irreparável nas suas vidas, e naturalmente que isso pode gerar o dever de indenizar por parte das companhias aéreas”, explica.
O advogado acrescenta que houve falta de monitoramento. “Ela recebeu essas bagagens e etiquetou essas bagagens, inclusive com a etiqueta da própria companhia aérea, ou seja, a companhia aérea recebe aquele conteúdo, etiqueta o conteúdo e não monitora se aquele conteúdo sofre ou não sofre algum tipo de alteração”, completou o advogado. A percepção é que o caso das brasileiras que sofreram o trauma não pode passar impune e tem que servir de exemplo. Além disso, as autoridades aeronáuticas estão sendo pressionadas para que os consumidores sejam respeitados. Marco Antônio Araújo Júnior ressalta que desta lição é imprescindível que a companhia aérea implemente procedimentos mais rígidos para que algo semelhante não volte a acontecer. “Elas podem demandar eventual lucro cessantes, ou seja, se elas estivessem trabalhando naquele período e tivessem algum ganho naquele período, elas poderiam comprovar que ganho elas teriam, para esse ganho ser ressarcido. Tudo aquilo que elas pagaram, elas também terão direito de reembolso e podem naturalmente demandar por danos morais. Em uma situação como essa, em uma prisão como essa, que se dá em razão de um descumprimento de regra de segurança por parte da companhia aérea, o dano moral fica caracterizado e o juiz vai fixar uma indenização que tem aí a finalidade de cumprir dois grandes objetivos. O primeiro é confortar a pessoa que passou pelo dano. Sabemos que ficar 30 dias preso injustamente gera um desconforto muito grande, e o dano moral tem essa finalidade. Outra finalidade é o efeito pedagógico do dano moral, que é para impedir que isso aconteça novamente e impor a essa empresa fornecedora de serviços, a companhia aérea, que de alguma forma estabeleça critérios de segurança mais rígidos e ela possa acompanhar essa bagagem, que ela possa monitorar essa bagagem para que não tenha uma interferência de terceiro no meio do caminho e que as pessoas sofram prejuízos dessa monta. Por conta disso, o dano moral também tem essa finalidade pedagógica”, afirmou o advogado.
Em nota, o Procon de São Paulo destacou a responsabilidade da Latam dizendo que o Código de Defesa do Consumidor prevê que as empresas devem prestar os serviços contratados com qualidade e eficiência. No caso específico, as bagagens deveriam ter sido transportadas dentro dos protocolos específicos da empresa em segurança até o seu destino. Desta forma, as consumidoras têm o direito de reaver os valores referentes ao extravio de suas bagagens e a outros custos materiais decorrentes do problema diretamente da empresa aérea. Não conseguindo, podem registrar uma queixa no Procon de São Paulo para reaver os referidos valores. Já para pedidos de dano moral, a recomendação é que as consumidoras procurem diretamente o Poder Judiciário. Para quem conheceu de perto o descaso, como a Karoline, fica o descrédito e a desconfiança em relação à prestação de serviço. Karoline Meyer entrou com uma ação na Justiça contra a Latam pedindo reparação dos danos e venceu a causa sendo indenizada pelos prejuízos.
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*Com informações do repórter Daniel Lian
Fonte: Jovem Pan