Passados os primeiros 60 dias do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o atual governo enfrenta as primeiras rusgas enquanto ainda patina para firmar apoio no Congresso Nacional e construir uma base sólida que garanta os votos necessários em debates fundamentais. Na semana passada, a principal pedra no caminho de Lula foi o polêmico caso envolvendo o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), e as denúncias de um suposto uso indevido dos serviços da Força Aérea Brasileira (FAB) e a diárias pagas com o orçamento público. Lula deu sobrevida a Juscelino e evitou a primeira queda de um membro do primeiro escalão, em mais um episódio da relação conturbada do governo com o União Brasil. Anteriormente, o presidente já havia enfrentado a denúncia de suposta relação da ministra Daniela Carneiro (União Brasil-RJ) com a milícia e o constrangimento gerado pelo manifesto de parlamentares da sigla que nasceu da fusão entre Democratas e PSL, que declararam que não haverá “subserviência” ao Executivo. Longe de representarem apenas uma exceção, essas rusgas e insatisfações de partidos – especialmente do Centrão – com o Palácio do Planalto ganham proporções maiores e atingem pontos críticos. Parlamentares ouvidas pelo site da Jovem Pan afirmam que o posicionamento do Executivo com a escolha de ministros incomoda membros de outras legendas, como o Progressistas, sigla de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados.
Sem ministérios ou cargos de primeiro escalão, nomes do partido se vêem menos contemplados, o que pode refletir na baixa adesão às propostas do governo e colocar em risco a tramitação de pautas consideradas essenciais, como a reforma tributária. “O Congresso já teve a boa vontade apoiando a PEC da Transição, que garantiu o Bolsa Família. Agora, de lá para cá, esse aceno de indicação de ministros incomoda. Os deputados não estão satisfeitos, há uma insatisfação. Lula vai ter que fazer um esforço corpo a corpo para formar maioria”, disse um aliado de Lira à reportagem. A avaliação é que o Executivo ainda não deu o que chamam de “sinalização necessária” às legendas, o que resulta na dificuldade de se construir uma base sólida no Congresso Nacional. A avaliação é endossada pelo deputado federal José Nelto (PP-GO), correligionário de Lira. “Ninguém está atrás do governo para pedir nada. Mas a reforma tributária é muito difícil o governo aprovar. A reforma que eles querem não vai passar. Será necessário articular muito, e Lula tem que ter essa consciência”, resume o parlamentar goiano.
As dificuldades do governo Lula para a consolidação de uma base no Parlamento foram sinalizadas publicamente por Arthur Lira ainda no início da semana, em um episódio considerado um aviso ao governo. Presidente da Câmara eleito com maior número de votos da história do Legislativo desde a redemocratização, Lira afirmou que, atualmente, o Executivo não tem base nem mesmo para aprovação de textos com maioria simples, muito menos para avançar em matérias que exigem quórum constitucional. Para aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), como da reforma tributária, são necessários votos favoráveis de 308 deputados e 49 senadores. “Teremos um tempo para que o governo se estabilize internamente, porque hoje o governo ainda não tem uma base consistente nem na Câmara, nem no Senado para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matérias de quórum constitucional”, ponderou o deputado. Em entrevista ao Jornal da Manhã, da Jovem Pan News, o presidente nacional do Solidariedade e ex-deputado federal Paulinho da Força fez um cálculo semelhante: “É um processo delicado. Eu brinco com alguns amigos que o governo tinha 140 votos, distribuiu 39 ministérios e ficou com 180. É a conta que nós fazemos aqui hoje. O governo oficialmente não tem mais do que 180 votos na Câmara dos Deputados. Talvez no Senado tenha um pouco mais de folga, mas na Câmara o governo tem dificuldades. É um processo de negociação que o governo vem fazendo”. “Quando tiver uma pauta complicada, nas minhas contas, o governo vai perder algumas votações importantes no Congresso nas próximas semanas. O governo fez algumas medidas provisórias que têm polêmicas. Essas medias provisórias polêmicas deverão ter dificuldades”, emendou o cacique partidário. Em outras palavras, a nota pública do União Brasil em defesa de Juscelino, a insatisfação exposta nos bastidores por líderes do Centrão e o aviso explícito de Lira mandam um recado claro ao Planalto: a aprovação de matérias, neste momento, depende da boa vontade do Congresso.
Fonte: Jovem Pan