“Naquele dia 8 de janeiro, a violência e ódio mostraram sua face mais absurda: o terror", afirmou o presidente da República na abertura do Ano Judiciário, no plenário reconstruído do STF O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta quarta-feira (01), ao discursar na abertura do ano Judiciário no Supremo Tribunal Federal (STF), que a “descrença na política pelo povo brasileiro” desaguou nos ataques golpistas de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aos prédios dos três Poderes, no dia 8 de janeiro.
Ao falar no plenário reconstruído do STF, Lula improvisou ao final do discurso divulgado pelo Palácio do Planalto. E, em tom de desabafo, pediu que nunca mais se duvidasse da política.
“Eu penso que a oportunidade de dizer que nunca mais alguém deve ousar duvidar da política neste país ou desacreditar no política. O que aconteceu neste país foi resultado da descrença na política pelo povo brasileiro. Seja o Congresso Nacional, seja no Executivo, seja em todos os lugares”, disse o presidente.
“O que nós temos que ter consciência é que poder-se-á não gostar do Congresso Nacional. Mas ele é o resultado da quantidade de informações e do humor no dia da votação. Portanto, nós temos que respeitar e só mudar quatro anos depois, quando tiver uma próxima eleição. É assim que a gente vai sustentar definitivamente a democracia mais longeva que nós conseguimos conquistar na República Federativa do Brasil.”
Embora sem menção direta ao ex-presidente Jair Bolsonaro, a parte final da fala de Lula remete ao antecessor, eleito em 2018 em meio a uma onda de rechaço à política tradicional. E também a críticas já feitas reiteradamente pelo petista aos métodos da Operação Lava-Jato, que o levou naquele mesmo ano à prisão por decisão do então juiz Sergio Moro e abalou a confiança da população no Congresso e nos partidos políticos.
Lula iniciou sua fala afirmando que os ataques terroristas não foram gerados de maneira espontânea, mas cultivados “em sucessivas investidas contra o direito e a Constituição”.
“Naquele momento, nem eu, nem as senhoras e os senhores, poderíamos imaginar a escalada de ataques às instituições e à democracia nos anos recentes; escalada que culminou com o bárbaro atentado às sedes dos três Poderes”, disse o presidente. “Naquele dia 8 de janeiro, a violência e ódio mostraram sua face mais absurda: o terror. Não foi um episódio nascido por geração espontânea, mas cultivado em sucessivas investidas contra o direito e a Constituição, com o objetivo de sustentar um projeto autoritário de poder.”
Lula exaltou o papel do STF e do Tribunal Superior Eleitoral, repetidamente atacados por seu antecessor, “na defesa da sociedade brasileira contra o arbítrio”.
“Daqui desta sala, contra a qual se voltou o mais concentrado ódio dos agressores, partiram decisões corajosas e absolutamente necessárias para enfrentar e deter o retrocesso, o negacionismo e a violência política", disse. "Em defesa da Constituição e dos direitos, esta Corte atuou durante a pandemia para tirar da inação um governo que se recusava a atender as necessidades básicas da população. Atuou para enfrentar a indústria de mentiras no submundo das redes sociais e para coibir os mais notórios propagadores do ódio político. Atuou, por meio de seus representantes na Justiça Eleitoral, para garantir nosso avançado processo eletrônico de votação e a própria realização das eleições do último ano.”
Segundo Lula, o STF “atuou e continua atuando para identificar e responsabilizar por seus crimes aqueles que atentaram, de maneira selvagem, contra a vontade das urnas”.
“A história há de registrar e reconhecer esta página heroica do Judiciário brasileiro”, afirmou.
Lula disse ainda que se sentiu “profundamente indignado” ao visitar o STF na noite de 8 de janeiro, ao lado do de minstros da Corte e de governadores.
“Sei que levarei essa indignação para o resto da minha vida. E sei que ela me fez redobrar a disposição de defender a democracia, conquistada a duras penas pelo povo brasileiro”, disse. “Mais do que um plenário reconstruído, o que vejo aqui é o destemor de ministras e ministros na defesa de nossa Carta Magna. Vejo a disposição inabalável de trabalhar dia e noite para assegurar que não haja um milímetro de recuo em nossa democracia.”
O presidente prometeu ainda que, durante seu mandato, “a relação entre o Executivo Federal, a Suprema Corte e o Poder Judiciário como um todo terá como alicerce o respeito institucional”.
“O povo brasileiro não quer conflitos entre as instituições. Não quer agressões, intimidações nem o silêncio dos poderes constituídos. O povo brasileiro quer e precisa, isso sim, de muito trabalho, dedicação e esforços dos Três Poderes no sentido de reconstruir o Brasil”, disse.
Desigualdade
Em seguida, Lula voltou o foco para o combate à desigualdade, uma tônica de seus discursos desde a posse, em 1º de janeiro.
“Nossos reais inimigos são outros: a fome, a desigualdade, a falta de oportunidades, o extremismo e a violência política, a destruição ambiental e a crise climática. Tenho a certeza de que juntos vamos enfrentá-los. E de que juntos poderemos superá-los”, afirmou. “Numa nação historicamente marcada pelas desigualdades, a tarefa de superá-las tem de ser compartilhada entre todas as pessoas e instituições com responsabilidade pelos destinos do país.”
Segundo Lula, a Constituição de 1988 “assegurou amplos direitos individuais, sociais e coletivos que apontam caminhos para grandes transformações”.
“Cabe a nós tirar do papel este conjunto de direitos, assegurando a todos o acesso a uma vida digna, à educação e saúde, à renda, trabalho e oportunidades, à liberdade e ao desenvolvimento sustentável”, disse. “Só assim a democracia será sempre defendida por aqueles que dela necessitam: a imensa maioria da população. Uma democracia para poucos jamais será uma verdadeira democracia.”
O presidente ressaltou que o STF, além de “guardião da Constituição e dos direitos fundamentais, é também guardião da dignidade de cada brasileira e de cada brasileiro, e um ator fundamental na luta contra as desigualdades, onde quer que elas se manifestem”.
E citou como exemplos as decisões da Corte “pela constitucionalidade da Lei de Cotas no acesso às universidades, da titulação das terras de comunidades quilombolas, da união estável entre pessoas homoafetivas, da pesquisa com células-tronco e da homologação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol”.
Segundo Lula, os ministros da Corte pagaram muitas vezes, por essas decisões, “o preço da incompreensão, do preconceito e da contrariedade de interesses econômicos e políticos”.
“No entanto, é esta a essência de sua missão, que seguiremos respeitando, em nome da democracia e do restabelecimento da harmonia entre as instituições”, afirmou.
01/02/2023 - Lula - STF Na solenidade de abertura do ano Judiciário
Ricardo Stuckert
Fonte: Valor Invest