O resultado será, anotem, um desfecho favorável à Fazenda Nacional em todas as teses previstas para análise Após a mudança da Presidência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e da edição de uma medida provisória que retrocede ao mecanismo do voto duplo de desempate a favor da Fazenda Nacional, a próxima pauta do Carf elege criteriosamente os temas mais importantes para serem votados “a toque de caixa” na próxima sessão de julgamento da Câmara Superior do órgão.
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Na pauta da Câmara Superior do CARF de fevereiro de 2023, constam temas como lucro no exterior, compensação de prejuízos fiscais, amortização de ágio, desmutualização e outros que representam os maiores valores financeiros em discussão.
Não é preciso o dom da premonição para antecipar que a estratégia acima pretende, coerentemente com as medidas preparatórias do governo federal, firmar entendimentos em favor da Fazenda Nacional ainda na vigência da medida provisória, reforçando o desvio de finalidade para a qual foi editada.
Não se pretende exercer o papel de julgar, mas de firmar entendimentos a favor da Fazenda Nacional para tentar - em vão, pois vencidos não aceitam resultados de julgamentos injustos e direcionados - aumentar a arrecadação e fazer frente aos desejos governamentais de gastar ilimitadamente.
O resultado será, anotem, um desfecho favorável à Fazenda Nacional em todas estas teses, com uma inevitável perda de credibilidade do órgão e uma judicialização em massa, implicando em custos, tempo, maior sobrecarga do Judiciário, sucumbência e insegurança a todos.
O fato é que o novo governo federal, logo ao assumir, foi convencido de que o Carf foi apropriado pelos contribuintes e que causaram um prejuízo de R$ 60 bilhões aos cofres públicos por meio julgamentos manipulados, contrários à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e em um ambiente de influência empresarial e corrupção, havendo um significativo aumento do estoque de processos no órgão.
Foi este o tom do discurso na fatídica apresentação das medidas econômicas e fiscais do atual governo, realizada em rede nacional, atribuindo tais efeitos ao fim do voto de qualidade (voto duplo de desempate usualmente em favor da Fazenda Nacional
Sessão de julgamentos no Carf
Valor
A sociedade de pronto reagiu, com vistas a esclarecer e manter o Sr. Ministro da Fazenda devidamente informado, na esperança de que pudesse tomar decisões com base em fatos e não em versões equivocadas e tendenciosas. A este propósito, vide esclarecedora manifestação da ACONCARF.
Em breves linhas e ao contrário do que afirmado pelo Sr. Ministro da Fazenda:
(a) O Carf tem a função de rever os lançamentos de ofício de créditos tributários, aplicando a legalidade em face de sonegadores e fraudadores, mas também em face de abusos rotineiramente cometidos por autoridades lançadoras com base em interpretações indevidas e normas administrativas ilegais. O afastamento de R$ 60 bilhões de créditos tributários (a maioria esmagadora por maioria ou unanimidade) não tem relação com voto de qualidade, mas com a aplicação da legalidade, na mesma medida em que tantos outros julgamentos mantiveram as exigências em face de contribuintes devedores.
(b) O interesse público é distinto do interesse fazendário, caracterizado pela manutenção de créditos devidos e também pela desconstituição de créditos indevidos. A confusão destes institutos é indevida.
(c) Os Conselheiros do Carf são escolhidos em rigoroso processo seletivo, com o aval de comitê formado pela Presidência do Carf e por representantes da Receita Federal do Brasil, Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, Confederações Representativas das Categorias Econômicas de Nível Nacional, Sociedade Civil e da Ordem dos Advogados do Brasil. Impor a suspeita de parcialidade aos conselheiros representantes dos contribuintes é um desrespeitoso a eles, à lei e a todo o sistema.
(d) Os casos de corrupção a que se referiu o Sr. Ministro da Fazenda são justamente da época em que vigorou o voto de qualidade ora reinstituído, sendo que os seus responsáveis – em grande maioria conselheiros e ex-conselheiros representantes da Fazenda Nacional – foram devidamente investigados e denunciados pelo Ministério Público Federal no âmbito da Operação Zelotes. Porque voltar àquela realidade?
(e) O noticiado aumento de estoque deu-se, sobretudo, por conta de greve de oito meses dos Auditores Fiscais Federais e da paralisação dos julgamentos pela pandemia. Nenhuma relação com o voto de qualidade ou qualquer outra causa.
(f) As decisões do órgão raramente terminam empatadas (mais do que 98% das decisões são por maioria ou unanimidade), sendo este fundamento também inapropriado.
(g) As decisões do Carf não contrariam jurisprudência firmada pelo STF ou STJ em favor da Fazenda Nacional. Não se sabe de onde o Sr. Ministro da Fazenda tirou esta precipitada, genérica e infundada conclusão.
Estas premissas falsas maculam a intenção declarada pelo governo federal, faltando-lhe motivação hábil a autorizar a veiculação do tema por medida provisória. E isso, além dos problemas já tratados no último artigo que escrevi nesta coluna, consistentes, basicamente, na vedação do artigo 62, 1º, da Constituição Federal, que proíbe medida provisória de disciplinar matéria processual e penal, além de consistir em mecanismo de contornar antidemocraticamente as sucessivas derrotas da mesma iniciativa perante o Poder Legislativo.
Fonte: Valor Invest