A votação para escolher o novo presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos escancarou algo que vinha acontecendo há tempos: a divisão do Partido Republicano. Após as ‘midterms’, realizadas em novembro de 2022, os conservadores assumiram o Congresso e, no começo desse ano, precisaram eleger um representante. Kevin McCarthy foi eleito. Contudo, foram necessárias 15 rodadas de votação para que conseguissem obter os 218 votos necessários para assumir o cargo. Os congressistas ultraconservadores criticam McCarthy por não ter negociado com eles uma reforma das regras de debate ou dos nomes para liderar as comissões parlamentares na nova legislatura e foram uma pedra no sapato do atual presidente da Câmara. Essa ocorrência foi algo inédito na história recente dos Estados Unidos, pois a última vez que o presidente não foi eleito em primeira votação foi em 1923. A disputa deste ano foi a mais longa em 160 anos. O líder da Câmara é a terceira principal autoridade nos Estados Unidos, depois do presidente Joe Biden e da vice-presidente Kamala Harris, que também preside o Senado.
Uma das razões para existir essa divisão é Donald Trump e o trumpismo que ele implantou no país, apontam os especialistas ouvidos pelo site da Jovem Pan. “Desde o trumpismo você tem o que não existia dentro do partido, que são facções. Existe nitidamente uma facção trumpista que é mais radical e que é muito mais difícil de entrar em consenso com as alas mais moderadas do partido”, explica o doutor em relações internacionais Igor Lucena, acrescentando que antes, o partido indicava um líder para ser o representante e não enfrentava tantos problemas, contudo, atualmente, o Partido Republicano vive um momento em que existem deputados que foram eleitos seguindo a visão de Donald Trump e aqueles que são da ala conservadora, segundo Lucena. O cientista político Leandro Consentino diz que a desunião do Partido Republicano antecede as ‘midterms’. Ele volta no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. “Essa cisão entre as duas alas remontam os anos do governo Trump. Depois da invasão do Capitólio, ela persiste até os dias de hoje e faz com que esses dois grupos – extremistas e moderados – não consigam mais conviver de maneira harmônica”, explica.
O especialista também aponta Trump como um dos responsáveis pela desunião no partido. “Ele já saiu enfraquecido das ‘midterms’ por causa do resultado, que foi muito diferente do que ele esperava e também agora, porque ele tentou intervir para que esses representantes mais radicais cedessem, mas não teve sucesso”, diz. Consentino acrescenta que isso enfraqueceu ainda mais sua liderança e fez com que ficasse uma figura mais fraca de quando foi presidente. Essa divisão no Partido Republicano pode fazer com que McCarthy, atual líder do Congresso, seja um presidente mais fraco do que seus antecessores, diz Lucena. Consentino acha difícil cravar que o novo líder não terá tanta força, porém fala que já dá para apontar que ele será mais fraco que os anteriores. “Foi um processo muito desgastante e ele carece de uma legitimidade que outros líderes não careceram no seu posto anteriormente.” Para conseguir converter votos, o líder do Congresso e seus aliados precisaram fazer concessões aos mais conservadores, medidas que frustraram os moderados do partido. “McCarthy teve que fazer acordos, concessões, negociar com facções e sob grupos dentro do partido, coisa que não existia antigamente”, fala Lucena.
Apesar de não ser possível imaginar um cenário de união, há quem diga que com McCarthy no poder, há uma chance de voltar à era pré-Trump que, como diz Consentino, “seria a ideia de um Partido Republicano mais com suas características originais”. Porém, é algo difícil de acontecer. “Uma vez que as coisas acontecem, elas tendem a permanecer de alguma forma ou dar frutos num sentido híbrido”, explica. Consentino fala que a maior dificuldade de McCarthy à frente do Congresso é conseguir unir seu próprio partido. O especialista não vê uma resolução rápida para fazer com que ambos os lados voltem a se unir. “Acho difícil ele conseguir reverter essa tendência de desunião ou cisão do partido, ele teve que fazer muitas concessões”, diz. Para o cientista político, é difícil prever como vai ser o desenrolar dessa história, porque nos EUA se tem apenas dois partidos, o que dificulta pensar em uma solução sem que tenha a criação de uma terceira força.
Fonte: Jovem Pan