A primeira semana do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República foi marcada por atritos entre ministros, declarações desencontradas e ao menos três recuos importantes. Um dos primeiros bate-cabeça envolveu o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, e o chefe da Defesa, José Múcio Monteiro. Isso porque eles protagonizaram diferentes declarações a respeito das manifestações contra o resultado das eleições presidenciais, ocorridas em frente a quartéis e em rodovias pelo Brasil, que se estenderam nos últimos dois meses de 2022. Antes mesmo de assumir o cargo, Flávio Dino chamou os acampamentos de “incubadoras de terroristas”. “É hora de por fim a isso, é urgente que isso ocorra de uma vez por todas. É algo incompatível com a Constituição”, declarou o ministro. Em contrapartida, o ministro da Defesa afirmou, em conversa com jornalistas após assumir o cargo, que enxerga as mobilizações como atos como democráticos e chegou a dizer que tinha familiares e amigos participando das manifestações. “Digo com muita autoridade porque tenho familiares e amigos lá, é uma manifestação da democracia”, declarou, em clara oposição a Flávio Dino, que prometeu “punir extremistas”. “Democracia não tem apenas o direito, mas tem o dever de se defender contra aqueles que querem destruí-la —e que não desapareceram.”
Outro desencontro envolveu Rui Costa (Casa Civil) e Carlos Lupi a respeito da Reforma da Previdência. Ao assumir o cargo, o também presidente nacional do PDT prometeu criar uma comissão com representantes de sindicatos patronais, dos aposentados, do governo, centrais sindicais para debater o que chama de “antirreforma da Previdência”. Em discurso, Lupi também afirmou que a previdência no Brasil “não é deficitária” e prometeu trabalhar para provar com “números, dados e informações” a sua visão. “É preciso discutir esse atraso, desrespeito, acinte à cidadania que foi feito com essa antirreforma da Previdência. É preciso ter coragem para discutir isso. É o trabalho da minha vida”, disse o pedetista. As críticas de Carlos Lupi ao texto aprovado em 2019, durante o governo Bolsonaro, não são novidade. É importante lembrar que a revogação da Reforma da Previdência foi uma das principais bandeiras do plano de governo pedetista no primeiro turno das eleições 2022, com Ciro Gomes como candidato. Entretanto, no momento, a ideia não é sequer cogitada pelo governo Lula, o que levou Rui Costa, um dos integrantes do governo mais próximos de Lula, a desautorizar publicamente o colega e descartar qualquer possibilidade de revogação. “Neste momento não tem nada sendo elaborado”, disse Costa. A jornalistas, ele também reforçou que proposta terá que passar pela Casa Civil e que, certamente, será decidida “por aquele que teve mais de 60 milhões de votos”, em mais uma sinalização de que, sempre que houver uma bola dividida, caberá ao presidente da República dar a palavra final.
Além do desencontro sobre a Previdência, outros dois episódios marcaram recuos da gestão Lula ainda nos primeiros sete dias. Como a Jovem Pan antecipou, a primeira mudança foi motivada pela desoneração da gasolina e do etanol. Inicialmente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), havia acordado com o agora ex-ministro da Economia Paulo Guedes que fosse assinada uma Medida Provisória (MP) para prorrogar o benefício por um mês – a regra anterior vigoraria até o dia 31 de dezembro de 2022. Entretanto, a mando de Lula, em 27 de dezembro, antes mesmo de assumir o cargo, o ministro voltou atrás e pediu que Guedes desistisse da desoneração. Temendo a repercussão que um eventual reajuste causaria na popularidade de um governo recém-empossado, houve uma nova reviravolta: no dia 1º de janeiro, Lula assinou uma MP prorrogando a isenção dos tributos federais que incidem sobre gasolina, álcool, querosene de aviação e gás natural veicular até o final de fevereiro – a alíquota incidente sobre diesel, biodiesel, gás natural e gás de cozinha ficarão zeradas até o final de 2023. Mais do que o recuo, a decisão representou a primeira derrota política de Haddad, que defendia a manutenção da medida por apenas 30 dias.
Outro recuo envolveu a Petrobras e declarações do senador Jean Paul Prates (PT). Indicado para assumir a presidência da estatal, o parlamentar havia afirmado, em 30 dezembro, que a política de preços da empresa é “assunto de governo”, não do mercado. “A Petrobras se ajustará às diretrizes que o governo, tanto como governo quanto como acionista majoritário, determinar”, disse ao portal G1, após ser confirmado como escolhido para o comando da petroleira. A fala causou reação dos investidores e queda expressiva da Bolsa de Valores. Desde o dia 29, as ações da Petrobras (PETR4) desvalorizaram cerca de 7,8% e as ações PETR3 também caíram faixa dos 8%. Com o resultado negativo, na quarta-feira, 4, após o atual presidente da Petrobras, Caio Paes de Andrade, apresentar renúncia ao cargo, Jean Paul Prates deu uma nova declaração, descartando uma interferência do governo na política de preços. “Uma vez falei quem faz política de preços é o governo, aí interpretaram que eu estava dizendo que iria intervir porque era do governo. Não. O governo pode simplesmente dizer é livre, é liberado, é PPI, não é PPI. Mas é o governo quem cria o contexto, e o mercado também”, afirmou. O mercado reagiu positivamente à fala e o Ibovespa chegou a registrar alta de 1,24% na tarde da quarta-feira, 4, com as ações da estatal valorizando 3,54%.
Relação com a milícia: a crise no Turismo
Apesar dos recuos e das declarações desencontradas representarem desconfortos para o governo recém-empossado, a maior crise enfrentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste início de governo são as denúncias de uma suposta ligação da ministra Daniela Carneiro (União Brasil), conhecida como Daniela do Waguinho, com a milícia. Indicada pelo mandatário para comandar o Ministério do Turismo, Daniela fez campanha política, em 2018, ao lado de Juracy Alves Prudêncio, o Jura, ex-sargento da PM condenado a 22 anos de prisão pelo homicídio de um jovem de 16 anos. Segundo apuração do jornal Folha de S. Paulo, na época, Jura estava preso em regime semiaberto e conseguiu autorização da Justiça para trabalhar no cargo de Diretor do Departamento de Ordem Urbana na Prefeitura de Belford Roxo, sob a gestão de Wagner dos Santos Carneio, o Waguinho, marido de Daniela. Jura, apontado como líder do Bonde do Jura, foi citado no relatório final da CPI das Milícias, comissão que teve como presidente o então deputado estadual Marcelo Freixo, que será subordinado de Daniela no governo Lula.
Outra denúncia desfavorável a escolha de Daniella foi a de que a irmã da ministra, Djelany de Souza, teria recebido um carro como retribuição por um contrato superfaturado fechado pela Prefeitura de Belford Roxo. Apuração do site Metrópoles, que cita inquérito do Ministério Público do Rio de Janeiro, mostra que Djelany teria recebido um Toyota Corolla como um “presente” para agradar Waguinho. De acordo com a investigação, o prefeito teria forjado a licitação para favorecimento da empresa. A denúncia afirma que o prefeito, funcionários municipais e um grupo de empresários, teria cometido crimes como organização criminosa, concussão, fraude a licitações, dispensa ilegal de licitações e peculato – o caso tramita sob sigilo. Apesar das denúncias e investigações, a substituição de Daniela, no momento, está descartada. O ministro Rui Costa, da Casa Civil, minimizou as suspeitas da relação da ministra com integrantes da milícia no Rio de Janeiro. “Não tem nada até aqui, nenhuma repercussão ou materialidade concreta que crie algum tipo de desconforto. Se surgirem coisas novas, aí é outra história, mas até o momento não há nada”, afirmou Costa.
Entre militantes de esquerda e apoiadores de Lula, no entanto, o sentimento é de constrangimento com a participação de Daniela no primeiro escalão do governo. Eleitores do petista pedem que a ministra seja substituída. “Ligação com milícia sempre foi uma crítica contra o antigo governo. Não é possível ter duas interpretações para uma mesma história”, diz um internauta, em resposta no Twitter para Lula. “Lula, exonere Daniela, não perca tempo com este desgaste. A permanência dela é o começo de uma ruína na qual para sua campanha lutamos contra. Milícia não”, escreveu outro. Em troca de mensagens pelo WhatsApp, flagrada pelo jornal O Estado de S. Paulo na quarta-feira, 4, Daniela Carneiro fala sobre o assunto e atribui a fritura a “inimigos”. “Inimigos querendo me queimar, mas não irão conseguir”, escreveu a um interlocutor.
Fonte: Jovem Pan