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Frente uniu esforços dos governos militares de Chile, Argentina, Brasil e Uruguai para combater oposição aos regimes autoritários; caso ficou conhecido internacionalmente como "sequestro dos uruguaios" Dois ex-coronéis foram presos no Uruguai pela participação em sequestros no contexto da chamada Operação Condor, que uniu esforços dos governos militares de Chile, Argentina, Brasil e Uruguai nas décadas de 1970 e 1980 para combater oposição aos regimes autoritários em voga à época.Carlos Alberto Rossel Argimón e Glauco Yanonne de León foram detidos na última quarta-feira (7). Ambos têm envolvimento no sequestro dos funcionários públicos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Díaz, em Porto Alegre, em novembro de 1978 – também foram sequestrados os filhos de Lilian, Camilo e Francesca, à época com 7 e 3 anos.A operação foi levada a cabo pelo Exército uruguaio, com a ajuda da polícia civil gaúcha, num caso comprovado de participação dos aparatos repressivos de dois países sul-americanos em uma mesma missão. O caso ficou conhecido internacionalmente como "sequestro dos uruguaios".Lilian e Universindo estavam refugiados em Porto Alegre porque sua organização política, o Partido pela Vitória do Povo (PVP), sofria perseguição no Uruguai, cujo regime era então liderado por Aparicio Méndez (1976-1981). Na capital gaúcha, viviam no bairro Menino Deus – os dois não eram casados, apenas companheiros de ativismo.Eles tinham ido ao Brasil coletar denúncias de violações de direitos humanos ligadas a ações da Operação Condor. Universindo passara pela Suécia, onde tinha status de refugiado e havia trabalhado com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados; Lilian esteve antes na Itália. A ideia era, pela proximidade, obter informações sobre os abusos no Uruguai e repassá-las a órgãos de direitos humanos na Europa.Adultos foram torturadosO grupo sequestrado foi levado a Montevidéu e separado: as crianças foram entregues aos avós e adultos, levados a uma prisão, na qual passaram por torturas. Em 2000, em entrevista à "Folha de S.Paulo", Lilian contou ter recebido choques elétricos; Universindo ainda foi colocado no pau-de-arara e espancado.A operação dos militares, por fim, vazou para a imprensa brasileira, que noticiou o sequestro dos uruguaios em Porto Alegre e expôs a existência da Operação Condor. Lilian conta que conseguiu alertar outros ativistas sobre sua detenção com mensagens codificadas.Os dois passaram, porém, cinco anos presos. A repercussão internacional do caso acionou órgãos de direitos humanos, que pressionaram a ditadura uruguaia pela libertação – ocorrida em novembro de 1983.A primeira denúncia contra os militares foi feita já em 1984, pela equipe do Instituto de Estudos Jurídicos e Sociais do Uruguai. Mas só em 2018, formalizou-se a acusação, por quatro delitos, incluindo privação de liberdade e tortura. O país conta com uma lei de anistia, mas tem realizado julgamentos para os casos em que se prova a ocorrência de crimes contra a humanidade, que não prescrevem.Os ex-coronéis foram processados com base numa investigação promovida pela Promotoria Especial para Crimes contra a Humanidade. Segundo o jornal "El Observador", a prisão se deu por determinação da juíza Silvia Orioste. Ela concluiu que Argimón e Yanonne são "penalmente responsáveis pelos delitos de privação de liberdade [...], agravados por crimes reiterados de violência".A prisão foi decretada para "preservar as garantias do processo judicial", e os dois ficarão sob custódia ao menos até a conclusão do processo judicial.Justiça condenou dois agentes brasileirosDo lado brasileiro, em 1980, a Justiça condenou dois agentes por envolvimento no sequestro dos uruguaios – o ex-jogador do Internacional Didi Pedalada e João Augusto da Rosa, do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) –, a seis meses de prisão cada um por abuso de autoridade; Rosa obteve um recurso e não cumpriu a pena. Outros oficiais foram detidos, mas liberados por falta de provas.Em 2010, Rosa moveu uma ação de reparação de danos morais contra Luiz Cláudio Cunha, autor do livro "Operação Condor: O Sequestro dos Uruguaios". Na audiência, ele, que nega participação na ação, foi chamado de sequestrador e mentiroso diversas vezes.Quando questionada sobre o conhecimento que tinha do ex-agente do Dops, Lilian Celiberti, arrolada como testemunha do autor, olhou fixamente para Rosa por alguns segundos e sentenciou: "Ele foi um dos que me sequestraram e me levaram ao Uruguai". O ex-agente permaneceu impassível. Universindo morreu em 2012.Estima-se que a Condor levou a 50 mil desaparecidos ou mortosDo lado uruguaio, além dos ex-militares detidos na semana passada, outro antigo oficial, Eduardo Ferro, foi detido na Espanha em 2021.O sequestro dos uruguaios em Porto Alegre foi um dos poucos fracassos da Operação Condor (1975-1985), que fornecia intercâmbio de logística e inteligência para a prisão de guerrilheiros e opositores dos regimes militares. Estima-se que, com as ações da Condor, cerca de 50 mil pessoas tenham desaparecido ou morrido na região.