O governo chinês precisou agir rápido diante das incomuns manifestações que aconteceram no último fim de semana, quando centenas de pessoas, em várias cidades da China, saíram às ruas para protestar contra a política de ‘covid zero’ que está presente há quase três anos. “Sem testes de covid, queremos comer!”, gritavam os manifestantes. “Não queremos covid zero, queremos liberdade”, diziam outros. Alguns até chegaram a pedir a renúncia de Xi Jinping. Atualmente, a China é a única grande economia que segue aplicando uma dura estratégia contra o coronavírus. Em meio à possibilidade da continuação em longa escala dos protestos, várias cidades flexibilizaram, na sexta-feira, 2, as medidas anticovid com a alegação de que essa nova onda é menos letal que as anteriores – a China vive uma alta nos casos de coronavírus, com a capital enfrentando o pior momento. “Agora, a epidemia é basicamente da variante ômicron, menos letal, e isso abre a possibilidade de mais abertura nas restrições”, disse o presidente Xi Jinping ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.
Para os especialistas ouvidos pelo portal Jovem Pan, essa flexibilização era algo esperado. “As manifestações surtiram efeitos na política de ‘covid zero’. O povo chinês sempre se manifesta e protesta quando o ‘sapato no pé dele aperta’. E o partido escutou, porque sua legitimidade depende muito do atendimento dessas demandas populares”, explica Evandro Menezes de Carvalho, professor de Direito Internacional e Coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio. O doutor em Ciência Política Alexandre Uehara diz que o atual momento para o governo chinês é complicado, porque “flexibilizar a política em um momento em que se tem alta de casos de covid pode afetar o sistema de saúde, porém, reprimir as manifestações e os manifestantes, pode acirrar ainda mais os ânimos da população, que já está insatisfeita”. Os protestos na China estão acontecendo há pelo menos oito meses, mas eles ganharam maior relevância agora, depois que um incêndio deixou 38 pessoas feridas em uma fábrica na região central. Muitos chineses afirmam que os trabalhos dos bombeiros foram prejudicados pelas restrições provocadas pela estratégia “covid zero”, o que o governo de Pequim negou.
Para Carvalho, além do cansaço, uma coisa que tem instigado ainda mais os ânimos dos chineses é o fato deles prezarem pela liberdade e, há três anos, estarem restritos a isso. “A política de ‘covid zero’ restringiu essa possibilidade de maneira absurda. Eles toleraram bastante porque acharam que era uma política que estava implementada para evitar maiores problemas”, explica, acrescentando que com o passar do tempo e sem nenhuma sinalização de melhora, eles se cansaram. Essa situação provocou uma fragilização nas relações entre governo e população, porque até a hora que a economia estava crescendo, era benéfico, mas quando a China começou a cair e estagnar, a situação mudou. “A população pensava: ‘não temos liberdade política e não tem democracia, mas, por outro lado, o governo tem garantido crescimento econômico’, que de alguma maneira tem benefício”, fala Uehara. “Quando o governo não entrega mais o crescimento e mantém uma política aprofundada, isso gera insatisfação, porque antes eles entregavam algo para população e as pessoas conseguiam sair do país e fazer o consumo, e agora você não tem nenhum nem outro, o que fragiliza as relações”, completa.
Na China, qualquer pessoa contaminada com Covid-19 deve ser isolada em um centro de quarentena. Contudo, há indícios de mudanças nesse cenário. Em uma análise publicada na sexta pelo Diário do Povo, jornal do Partido Comunista, especialistas em saúde apoiaram as medidas anunciadas por algumas autoridades regionais para permitir que as pessoas que testam positivo para Covid façam a quarentena em casa. A partir de segunda-feira, 5, os habitantes de Pequim voltarão a poder andar de ônibus, ou de metrô, sem ter de apresentar um resultado negativo do teste PCR de menos de 48 horas, de acordo com a assessoria do prefeito. Agora será necessário apenas um passaporte sanitário com a cor verde, que confirma que a pessoa não passou por nenhuma área de “risco elevado”. Na capital, as autoridades solicitaram aos hospitais que parem de rejeitar pacientes que não apresentarem um exame PCR negativo de menos de 48 horas. A China registrou várias mortes por atrasos nos tratamentos médicos provocados pelas medidas anticovid. Foi o caso de um bebê de quatro meses que morreu recentemente pela exigência de permanecer em quarentena com o pai.
As mudanças apresentadas pela China foram celebradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Estamos satisfeitos que as autoridades chinesas estejam ajustando sua estratégia atual e calibrando medidas de controle”, em função de vários fatores, como “[a preservação de] vidas, meios de subsistência e direitos humanos”, disse o diretor de Emergências da OMS, Michael Ryan, em uma coletiva de imprensa. “É realmente importante que os governos ouçam as pessoas quando estão sofrendo”, acrescentou. Desde o início da pandemia, foram registrados cerca de 9,6 milhões de casos da doença na China, segundo a OMS, e aproximadamente 30 mil mortes foram associadas a ela. Apesar do número baixo, que pode ser associado à rígida política chinesa, ela prejudicou a economia. As previsões apontam que o PIB do país deve crescer menos de 3%. Apesar desse cenário negativo para Xi Jinping, os especialistas não acham que os pedidos de renúncia vão surtir efeito. “Não vejo Xi Jinping renunciar, porque ele personalizou e trouxe para si o poder na China. Esse é o primeiro episódio de questionamento ao seu governo de forma aberta. Então, creio que nesse momento não existe essa possibilidade”, diz Uehara. Carvalho relembra que um centro de pesquisa de Harvard apontou que o líder chinês tem um bom índice de aprovação e que, por essas razões, não acredita que os pedidos nos protestos vão dar em algo. Porém, alerta que esse é um aviso da sociedade, dizendo: “Cansamos da política do jeito que está. Mude!”.
Fonte: Jovem Pan