Com uma jornada cheia de altos e baixos, a jornalista Mariana Ferrão decidiu expor de forma franca os momentos delicados e significativos da sua trajetória em um livro que escreveu com o intuito de se conhecer e de ajudar pessoas que talvez estejam encarando os mesmos obstáculos que ela já enfrentou. Na autobiografia “Estar Bem Aqui”, publicada pela Editora Planeta, a ex-apresentadora do “Bem Estar” abriu sua intimidade e falou em detalhes sobre a luta contra a depressão, o fim do casamento, o luto vivido após a morte da mãe e seu pedido de demissão da Globo. “Revivi dores que achava que já tinham ido embora”, comentou Mariana em entrevista à Jovem Pan. A jornalista foi diagnosticada com depressão pela primeira vez aos 17 anos e revelou que nesse período teve pensamentos suicidas. “Olhava para minha vida e parecia que ela tinha perdido a cor, não encontrava mais em mim a vontade de fazer as coisas”, contou. “Começava a olhar para minha janela e pensava: ‘Se eu pular daqui, eu vou melhorar, isso vai acabar’. Mas nunca tive coragem, ainda bem.” Nesse mesmo período, ela também enfrentou a síndrome do pânico: “Lembro que viajei com meu então namorado e, quando desci do carro, tinha certeza que eu ia morrer. Comecei a ter taquicardia, suar frio e achar que tudo em volta de mim era uma ameaça”. Aos 35 anos, ela lidou novamente com a depressão após dar à luz Miguel, seu filho mais velho.
“Tinha pensamentos horrorosos, do tipo: ‘Se essa pessoa não existisse, minha vida seria melhor’. Comecei a sentir raiva dele. Como é que ia falar que sentia raiva do meu filho? Aos poucos, fui me abrindo para receber ajuda.” Mariana disse que para enfrentar a doença, além do acompanhamento médico, ela adotou um novo estilo de vida, cuidando da alimentação e fazendo atividade física. Olhando para trás, ela sente que tudo o que viveu a ajudou na missão de apresentar por oito anos um programa sobre saúde na TV aberta. No entanto, ela confessou que não ficou empolgada quando recebeu o convite para deixar o “Fantástico” e apresentar a atração que, hoje, é um quadro do programa “Encontro”. “Fui gravar o programa piloto do ‘Bem Estar’ pensando: ‘Tomara que eu não passe’. Eu passei e falei: ‘Que droga’. Depois entendi que eu tinha que estar ali”, falou. A saída da Globo aconteceu em 2019 e partiu da própria jornalista, que nos bastidores enfrentava um conflito interno por se sentir insatisfeita com o que estava fazendo. “A Globo, apesar de me trazer holofote, não me dava muito espaço para falar as coisas do jeito que eu acreditava”, explicou Mariana, que atualmente é dona da Soul.Me, empresa focada em saúde mental e emocional, e professora em cursos de pós-graduação PUC-PR.
Confira a entrevista completa de Mariana Ferrão à Jovem Pan:
O que te levou a tocar em assuntos tão pessoais e a expor isso em um livro? A motivação foi me conhecer. Eu precisava disso, precisava entender com uma distância maior tudo o que aconteceu na minha vida. Foram fases de grandes transformações.
E como foi reviver essas feridas durante o processo de escrita? Foi um processo muito louco, porque em muitos momentos pensei que não iria dar conta de terminar o livro. Às vezes, eu escrevia um capítulo e precisava parar e chorar por uma hora. Revivi dores que achava que já tinham ido embora. Ao mesmo tempo, algo dentro de mim dizia: “Você vai dar conta porque se você não der, você não vai dar conta de continuar vivendo”. Eram duas forças contrárias.
No livro, você fala sobre luto. Em que momento teve que lidar com ele? São vários os processos de luto que vivi, não só relacionados às pessoas que eu perdi. Por exemplo, eu pedi demissão da Globo, mas sair da Globo também foi um luto, assim como sair da Band. Mesmo que a gente queira muito viver a próxima fase, a fase que ficou para trás tinha coisas boas e deixamos isso morrer para poder crescer. Sinto que esses processos de luto se assemelham com aqueles caldos que a gente leva quando está no mar. Você acha que está tudo lindo e, de repente, vem aquela onda inesperada e te manda para baixo. Tive e ainda tenho essa sensação quando penso na morte da minha mãe. Eu a perdi aos 20 anos, hoje estou com 44. Na pandemia, em 2020, eu notei que vivi mais tempo sem a minha mãe do que com ela, é muito louco isso, mas sei que ela está dentro de mim o tempo inteiro. Percebi que por mais que o tempo passe, ela sempre estará em mim.
Outro assunto que você aborda na sua autobiografia é a depressão. Em que momento você percebeu que estava com a doença? Foi muito duro ter essa percepção. Foi um choque. Era uma menina de classe média alta, em São Paulo, estudando em um colégio bom, tinha um namoro que já durava um tempo com um cara que fui apaixonada na adolescência e, de repente, eu me vi num ano de vestibular e com o namoro em crise. Lembro que estava assistindo aula de biologia quando lembrei do sítio da minha avó e tive que sair para chorar no banheiro. Minha avó já morreu quando eu tinha 11 anos e, nessa época, eu já estava com 17. Notei que algo estava fora do normal. Voltei para casa, olhei para minha vida e parecia que ela tinha perdido a cor, não encontrava mais em mim a vontade de fazer as coisas, de conversar com as minhas amigas, de ir para a balada. No final de semana seguinte, viajei com meu então namorado, fomos para uma balada e, quando desci do carro, tinha certeza que eu ia morrer. Nunca tinha ouvido falar de síndrome do pânico, mas comecei a ter taquicardia, suar frio e achar que tudo em volta de mim era uma ameaça. Pedi para o meu namorado chamar minha mãe. Voltei para casa e minha mãe, que era psicóloga, identificou que era síndrome do pânico.
Foi sua mãe que te ajudou a buscar tratamento? Ela queria que eu fosse para o psiquiatra e no começo eu falei que não iria. Eu me trancava no quarto e não conseguia sair. Comecei a ter ideação suicida, falei: “Vou acabar com esse sofrimento”. Não sabia de onde ele estava vindo, não é uma ferida que você consegue ver e saber onde está doendo. Nada fazia sentido. Eu começava a olhar para minha janela e pensava: “Se eu pular daqui, eu vou melhorar, isso vai acabar”. Mas nunca tive coragem, ainda bem. Teve um dia que minha mãe bateu na porta do quarto, abri só uma fresta, ela estava muito desesperada querendo me ajudar e foi quando ela me falou: “Mari, se você não quiser se ajudar, ninguém vai conseguir te ajudar”. Naquele momento, eu me dei conta que queria me ajudar e não ser a pessoa que ficava sentada no parapeito da janela.
Essa frase da sua mãe foi fundamental para você aceitar receber ajuda? Foi sim. Topei ir ao psiquiatra, comecei a tomar medicação. Fiquei um ano tomando remédio até eu conseguir parar. A terapia me ajudou nesse processo. Também construí pilares para minha saúde cuidando da alimentação, fazendo atividade física e dormindo bem. Tudo isso, aliado à meditação, foi o que me ajudou a ficar longe da depressão.
Você teve alguma recaída após esse primeiro diagnóstico de depressão? Sim, na minha licença maternidade, aos 35 anos. Quando meu primeiro filho [Miguel] nasceu, tive uma recaída, mas demorei para notar que novamente era depressão. Era tudo novidade e eu achava que aquilo ia passar, mas não estava passando. Não queria acreditar que estava com aquela pessoa que tanto amo nos braços e ao mesmo tempo enfrentando uma depressão. Foi desafiador porque eu tinha que cuidar do meu filho, não podia me trancar no quarto. Tinha pensamentos horrorosos sobre o Miguel, do tipo: “Se essa pessoa não existisse, minha vida seria melhor”. Comecei a sentir raiva dele. Como é que ia falar que sentia raiva do meu filho? Aos poucos, fui me abrindo para receber ajuda. Fui acolhida por mulheres e usei medicamentos homeopáticos para continuar amamentando.
Muita gente te chamou de “louca” por pedir demissão da Globo. O que te motivou a deixar a emissora? Foram muitas coisas, mas a primeira é que percebi que a Globo foi saindo de mim. Trabalhar lá foi um sonho durante muitos anos. No livro, conto que, desde criança, eu me sentia muito invisível. Eu estava em uma grande emissora de televisão apresentando um programa que era visto por 10 milhões de pessoas por minuto, mesmo assim eu me sentia invisível. Quem precisava me ver era eu mesma. Tenho um vício de agradar pessoas e, com isso, fui me distanciando do que eu queria, dos meus desejos e da minha verdade. A Globo, apesar de me trazer holofote, não me dava muito espaço para falar as coisas do jeito que eu acreditava. Estava no “Bem Estar” há oito anos, sentia que talvez já estivesse cansada de falar só sobre saúde todo dia. Já tinha trabalhado no “Fantástico”, não queria ir para o “Jornal Nacional”, então nada me brilhava mais os olhos. A grande motivação foi perceber que não estava inteira ali. Minha conversa com o Carlos Henrique Schroder, que é o diretor-geral da Globo, quando pedi demissão foi essa. Falei que não podia mais ficar em um lugar onde não estava me sentindo inteira. Ele disse que tudo bem, a gente se abraçou e eu saí da sala.
Você gostava de apresentar o “Bem Estar”? Vivi um adoecimento mental muito grave na adolescência e, depois disso, criei uma base sólida de saúde para minha vida envolvendo alimentação e exercício físico. Essa minha vivência pessoal me trouxe uma base para apresentar o programa. O destino me colocou ali. Eu vivenciei aquilo tudo e podia falar com verdade. No começo, eu não conseguia entender por que eu estava lá, em um programa de saúde, estava feliz fazendo reportagem para o “Fantástico”. Fui gravar o programa piloto do “Bem Estar” pensando: “Tomara que eu não passe”. Eu passei e falei: “Que droga”. Depois entendi que tinha que estar ali.
Quando você saiu, você disse que a sensação era de liberdade. O que essa demissão trouxe de novo para sua carreira? A saída da televisão me permitiu viver uma vida com mais calma. Quando recebo um convite para fazer um trabalho, eu consigo parar para pensar. Já tive oferta de trabalho que ia me garantir um ano de custo de vida, só que alguma coisa me dizia para não aceitar. Na TV, não tinha como recusar algo. Às vezes, o programa era sobre cardiologia e tinha uma enchente no dia e a gente tinha que mudar totalmente o foco. Tive propostas pontuais para voltar à TV, mas isso foi quando saí da Globo, hoje recebo mais propostas de propagandas e curadoria em empresas.
O fim do seu casamento aconteceu no mesmo ano que saiu da Globo. Como foi conciliar isso? Eu saí da Globo em março e disse para o meu ex-marido [André Luiz Costa] que queria a separação em novembro. Fisicamente, a gente se separou em janeiro do ano seguinte por causa das crianças [Miguel e João]. Foi um processo difícil. Faz três anos que pedi o divórcio. Vivi dois anos profundos de luto pela separação, sinto que esse ano estou melhor. Meu ex-marido é uma pessoa que admiro muito, ele sempre me incentivou demais, a gente não brigava muito e eu gostava de estar perto, mas conto no livro que a gente foi se distanciando. Eu fui mudando, a gente se conheceu quando tinha 20 anos. Ficamos casados por 14 anos e mudamos bastante. Em muitos momentos, quando estava eu, ele e nossos filhos, eu tinha a sensação de que não faltava nada na minha vida. Senti falta desses momentos em família. São muitas etapas.
Com tudo o que passou, hoje se sente mais forte? Eu me sinto muito mais confiante porque hoje me reconheço nas minhas imperfeições e nas minhas falhas. Eu me sinto bem mais generosa comigo. Terminar esse livro foi um resgate da minha autoestima, notei que dá para eu gostar de mim mesmo com as minhas imperfeições.
*Caso esteja ou conheça alguém que está lutando contra a depressão ou tenha pensamentos suicidas procure o Centro de Valorização da Vida (cvv.og.br), que fica disponível de forma gratuita 24 horas por dia pelo telefone 188.