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No Brasil, local de nascimento afeta chance de subir na vida

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Criança gerada entre os 20% mais pobres da população tem apenas 2,5% de possibilidade de chegar aos 20% mais ricos ao se tornar adulta A probabilidade de uma criança ascender socialmente e ter uma renda maior que a de seus pais ao chegar à idade adulta pode variar enormemente no Brasil, a depender apenas do local onde ela nasceu. Na região metropolitana de Belém (PA), a chance de um filho de uma família com renda abaixo da mediana brasileira se manter na mesma faixa ao chegar à idade adulta é de 63%, quase seis vezes maior que a de região metropolitana de Florianópolis (SC), onde esse número cai para 11,2%.

A conclusão é de um estudo de pesquisadores ligados à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) sobre mobilidade entre gerações no Brasil. Intitulado “Mobilidade intergeracional na terra da desigualdade”, ele estima mostra que a probabilidade dos filhos de uma família situada entre as 20% mais pobres do país se manterem nesse mesmo estrato ao chegar à idade adulta é de 46,1%. Já a chance de ser bem sucedida a ponto de ascender ao topo da pirâmide de renda brasileira é de apenas 2,5%.

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O trabalho também mostra com números que a melhor chance de ser rico no Brasil é mesmo nascer rico: 48,5% dos filhos de famílias que estão entre as 20% com renda mais alta tendem a permanecer nessa faixa. A chance de um deles descer à base da pirâmide é de 4%.

Os dados estão em linha com a ideia de que desigualdade e persistência de renda andam juntas. Eles também inserem o Brasil em um dos extremos da chamada “Curva do Grande Gatsby”, que relaciona mobilidade com o índice de desenvolvimento Gini, medido pelo Banco Mundial. Na Suécia, a probabilidade de uma criança nascida entre os 20% mais pobres chegar ao topo da distribuição de renda é de 16%. Na Itália, chega a 11%.

O gráfico homenageia o personagem criado pelo escritor F. Scott Fitzgerald (1886-1940), um símbolo do “sonho americano”, que irrompe na alta sociedade de Nova Jersey após acumular riqueza da noite para o dia.

No Brasil, é possível perceber que este resultado varia fortemente de acordo com a localidade. É possível notar que cidades do Centro-Sul têm, em linhas gerais, melhores resultados que as do Norte e Nordeste. Em especial, municípios do interior do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, mas também cidades do Centro-Oeste que viveram o “boom agrícola” Em Sorriso (MT), uma criança que nasce entre os 20% mais pobres tem 29% de chance de permanecer nesse grupo. Em Joinville (SC) e Novo Hamburgo (RS), ela chega a 15,7% e 17,8%, respectivamente.

“A diferença de oportunidades que as crianças têm no Brasil variam muito de lugar para lugar. Existe um cinturão no Sul do país a mobilidade social maior que a média dos Estados Unidos”, diz Alexandre Fonseca, um dos autores do estudo. Também assinam o trabalho Diogo Britto, Breno Sampaio e Lucas Warwar, pesquisadores do Grupo de Avaliação de Políticas Públicas e Econômicas (Gappe), da UFPE, e Paolo Pinotti, da Universidade de Bocconi, na Itália.

Os economistas cruzaram dados do Censo, da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), Cadastro Único e outras fontes oficiais com registros administrativos da Receita Federal — compartilhados sob o compromisso da manutenção do sigilo fiscal. Com isso, puderam refazer a trajetória de 1,3 milhão de brasileiros nascidos entre 1988 e 1990 e compará-los sua renda ao chegar a uma faixa de idade entre 25 e 31 com a renda familiar da geração anterior.

Os resultados dão pistas iniciais sobre os determinantes da mobilidade no Brasil. Entre os principais candidatos, estão educação, mas também infraestrutura, economia e segurança pública.

“O grande propósito deste trabalho é ser um primeiro passo, uma documentação descritiva do status da mobilidade no Brasil”, diz Warwar. “A próxima etapa é aprofundar como eles contribuem para a mobilidade. A gente sabe, por exemplo, que variáveis de qualidade da educação pública, taxa de analfabetismo, e performance no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) têm correlação bastante forte com qualidade do lugar”, acrescenta Britto.

O estudo concluiu que a migração tem capacidade de alterar bastante o cenário. Em termos absolutos, se a distribuição de renda brasileira fosse uma escala de zero a 100, uma criança que nasceu no degrau 25 no Brasil alcançaria, em média, o degrau 35 na idade adulta. Em Florianópolis, esse resultado sobe para 46. Já em Belém, a mobilidade média esperada é zero.

No entanto, caso uma criança nascida Belém migrasse para Florianópolis logo após nascer poderia se apoderar de até 57% da diferença entre os resultados médios das duas cidades. Assim, ela deixaria de ter expectativa de mobilidade zero e passaria a alcançar o degrau 37 depois de 24 anos.

“Quanto mais cedo ocorrer a mudança, melhor”, diz Britto. “A gente percebe esse resultado mesmo dentro de uma mesma família. O filho mais novo e, portanto, mais exposto à nova cidade, converge mais fortemente para o resultado esperado naquele município”, diz.

Ao contrário do que se imagina, grandes centros urbanos não são as melhores escolhas para famílias pobres que desejam ver seus filhos subirem de vida. Na região metropolitana de São Paulo (SP), a chance de uma criança que nasceu abaixo da mediana da renda permanecer no mesmo estrato é de 44,4%. No Rio de Janeiro (RJ), é de 30,1%.

Por outro lado, a probabilidade favorece os filhos dos 20% mais ricos. Nas duas cidades, a chance de eles permanecerem no topo da pirâmide de renda é de, respectivamente, 67,4% e 63%.

O estudo também reforça as diferenças de mobilidade segundo gênero e etnia. Em termos absolutos, mulheres tendem a alcançar, em média, 14 degraus a menos que homens — um resultado que reflete fortemente graus variados de participação no mercado de trabalho e também de diferenças entre salários. Pessoas brancas, por sua vez, tendem a alcançar sete degraus a mais que não-brancos da mesma faixa de renda.

Esse fosso, no entanto, tende a se reduzir à medida que a renda dos pais cresce. Uma menina cujos pais se encaixam no degrau 25 da pirâmide brasileira alcança uma renda 17 degraus abaixo de homens do mesmo estrato na idade adulta, diferença que cai a 10 degraus se o ponto de partida é uma família que habita o degrau 75. Para não-brancos, essa diferença cai de 8 para 6.

Os pesquisadores notam que a baixa mobilidade no Brasil já era um resultado conhecido, mas acreditam que o trabalho — o primeiro que usando dados de renda em larga escala e em nível individual — pode ajudar a avaliar e repensar políticas públicas aplicadas no país. Segundo eles, o próximo passo é justamente analisar as medidas implementadas entre as décadas de 1990 e 2000 no Brasil.

“As políticas públicas consomem bilhões de reais por ano, mas o governo brasileiro faz isso sem um estudo científico. Vamos poder agora analisar os resultados sob a ótica de como eles afetam a mobilidade social”, diz Warwar.

Fonte: Valor Invest

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