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O S do ESG em pé de igualdade


O escopo do S se ampliou nas últimas décadas, o que reforça a necessidade de melhor definição do termo e de padronização O recente relatório dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que o processo de redução da pobreza deu uma marcha a ré de quatro anos por conta da pandemia de covid-19, a crise econômica global e a guerra da Ucrânia. Pela primeira vez em décadas, o número de pessoas em extrema pobreza aumentou. Projeta-se globalmente 660 milhões de pessoas em situação de pobreza em 2022, 85 milhões a mais em relação a projeções pré-pandêmicas. Conflitos, mudanças climáticas, pandemia e aumento da desigualdade também desencadearam um cenário triste para a segurança alimentar. Uma em cada dez pessoas passa fome no mundo hoje, e a cada três pessoas, uma não tem acesso a comida adequada .

O cenário global aponta para a urgente necessidade de investimentos sociais tanto para alcançar os ODS como as aspirações de crescimento nacionais. O novo contexto também vem abalando o setor privado. Se os fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) já são críticos para empresas, investidores e acionistas, a pandemia, juntamente com campanhas como Black Lives Matter, reforçou o componente social, historicamente negligenciado na pauta ESG, e que fala desde direitos dos trabalhadores até efeitos mais gerais das empresas na sociedade.

Mas afinal, o que constitui o S do ESG? Seu escopo vem sendo ampliado nas últimas décadas. A necessidade de melhor definição do termo e de padronização é urgente. Tanto que a União Europeia (UE) lançou em fevereiro deste ano uma Taxonomia Social, no âmbito da sua Plataforma para Finanças Sustentáveis.

Partindo de acordos internacionais sobre direitos humanos, os objetivos da taxonomia são centrados em atividades que podem contribuir positivamente para as vidas de três grupos de stakeholders: trabalhadores das empresas e das cadeias de valor, consumidores ou clientes e as comunidades afetadas direta ou indiretamente pelas práticas empresariais. Isso inclui olhar para direitos do trabalhador e condições de trabalho; proteção de trabalhadores, autônomos, desempregados e idosos; direitos à saúde, moradia, educação e comida; proteção dos modos de vida das comunidades; inclusão social e não-discriminação; proteção de dados do consumidor; combate à corrupção e evasão fiscal; e sociedades inclusivas e pacíficas.

A padronização é bem-vinda, pois organiza o mercado e orienta o setor financeiro. Mas são parâmetros feitos por e para países desenvolvidos, que muitas vezes já superaram alguns dos desafios sociais de países emergentes como o Brasil. Somos o país com uma das mais altas taxas de homicídio do planeta, o segundo com a maior desigualdade social do G20. Se somos o país mais rico em biodiversidade, somos um dos mais pobres – em 2022, 20 milhões de brasileiros estavam em situação de fome. Ou seja, o Brasil tem que correr atrás da pauta internacional, mas também aprimorar indicadores para suas próprias especificidades.

Dois entraves atrapalham o avanço da agenda social do ESG no país. O primeiro é uma percepção, muitas vezes equivocada, de que as questões sociais são ideológicas. Não são. As pautas de direitos humanos, inclusão de gênero e igualdade racial são amparadas por princípios consolidados internacionalmente, tais como os Princípios Orientadores da ONU sobre Negócios e Direitos Humanos, que existem desde 2011. Direitos humanos assegurados não são apenas nossa bússola moral enquanto sociedade, mas também contribuem para o ambiente e os negócios.

O segundo é a dificuldade de se encontrar métricas compatíveis com a pauta social, que muitas vezes demandam dados qualitativos, e que variam enormemente de empresa para empresa, cada uma com complexas cadeias de suprimento e operações em diferentes territórios. O risco é o que a empresa de consultoria KPMG chamou em recente relatório de social washing , ou seja, pouca clareza nas práticas de reporting dos aspectos sociais, e consequente foco apenas aos aspectos puramente ambientais, cujas métricas são mais quantificáveis e comparáveis, tais como as emissões de gases de efeito estufa.

As práticas voltadas ao S do ESG combinam gestão de riscos e criação de valor, e vão revolucionar os negócios nos próximos anos. Dependem do grau de amadurecimento de determinado setor ou de determinada empresa. Em última instância, são um termômetro da cultura corporativa.

As empresas que avançam hoje no tema são as que mais se beneficiarão por estarem não apenas em compliance mas com reputação renovada, e alinhadas com uma visão contemporânea do desenvolvimento sustentável, com as questões sociais em pé de igualdade com as questões ambientais e de governança.

Daniela Gomes Pinto é coordenadora do Programa de Desenvolvimento Local no Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (EAESP-FGV) e professora das disciplinas “O Social da Sustentabilidade” e “Desenvolvimento Local: Territórios e Empresas” do Mestrado Profissional em Gestão para a Competitividade – Linha Sustentabilidade – na FGV. É mestre em Development and Environment pela London School of Economic and Political Sciences (LSE), Reino Unido, e doutoranda em Administração Pública pela EAESP-FGV.

O texto reflete as opiniões da autora, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

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