A Rússia começou na sexta-feira, 23, os referendos de anexação de quatro regiões da Ucrânia: Kherson, Zaporizhia, Donetsk e Luhansk. Até terça-feira, 27, as autoridades pretendem seguir de porta em porta para receber os votos. Denis Pushilin, líder separatista pró-Rússia da região industrial do Donbass, afirmou em uma mensagem no Telegram que “o Donbass é Rússia”. “A voz de cada um de vocês confirmará a verdade”, acrescentou. Os referendos aumentam a tensão de uma semana marcada pela mobilização de 300 mil reservistas anunciada pelo presidente russo Vladimir Putin, que também ameaçou utilizar o arsenal nuclear para proteger o território de seu país. Essa medida é uma forma da Rússia de tentar conter os avanços da Ucrânia, que desde o começo do mês tem sido superior na guerra. Especialista também explicam que Putin quer utilizar as anexações para reverter a situação do conflito e, caso Kiev entre em algum desses locais, possa atacar e dizer que só estava protegendo seu território. Moscou também transparece que esse é o momento mais radical da guerra.
A anexação dos territórios viola completamente a soberania da Ucrânia, explica o cientista político Leandro Consentino. “Invadir já é uma violação, agora anexar passa a ser uma escalada a mais, pois você despreza aquele país e diz que aquelas terras são suas.” Kiev e seus aliados ocidentais já disseram que não reconhecerão os resultados. “O que temos é uma tentativa de neutralizar os avanços para trazer esses territórios para a Rússia e argumentar que estão se defendendo de ataques. A partir do momento que você anexa uma região pode dizer que não está atacando e sim defendendo”, acrescenta. Essa é a tentativa de Putin de reverter a defesa de direito de soberania. O doutor em relações internacionais Igor Lucena explica que os avanços no leste ucraniano e a retomada de território pelas tropas de Volodymyr Zelensky são preocupações para a Rússia. “Ela tem medo que esses avanços sejam revertidos em derrota”. Desde o começo de setembro, as tropas ucranianas têm recuperado milhares de quilômetros de regiões que estavam sob o controle dos russos desde o início do conflito. O fato dos referendos serem invalidados pela comunidade internacional pode fazer com que, após sete meses de conflito, a Rússia faça uma declaração de guerra usando o argumento de que a Ucrânia invadiu seu território, invertendo a ordem do que esta acontecendo e tentando forçar Kiev a se render, acrescenta Lucena. A ameaça nuclear imposta por Putin nesta semana é uma chantagem para que os ucranianos se rendam nesses territórios. “É uma terceira ou quarta estratégia para que a Rússia tente sair como vencedora”, conclui.
“Se a integridade territorial de nosso país estiver ameaçada, usaremos todos os meios disponíveis para proteger nossos cidadãos. Isso não é um blefe”, disse Putin, em um discurso televisionado à nação. Porém, assim como Zelenksy e países ocidentais, os especialistas não acreditam que o russo esteja falando sério. “Quando você ameaça com armas nucleares, dá um passo a mais que não é aprovado pela maioria dos países. Os próprios aliados teriam dificuldade em defender a Rússia”, explica Consentino. “Ameaça nuclear é a cartada mais forte porque você põe em risco sua própria existência. Todos imaginam que seja um blefe”, pontua Lucena, acrescentando que, se Putin utilizá-las, “ele perde apoio na Rússia e fica mais isolado por outras nações”. Ele vê essa jogada como uma das últimas cartadas do líder russo nesse “movimento de xadrez internacional”.
Como Kherson e Donbass (formado por Donetsk e Luhansk) não são totalmente pró-Rússia, um cenário que podemos esperar para os próximos dias é uma escalada do conflito. Consentino diz que será um processo complicado, custoso, não pacífico e que deve custar vidas. “A Rússia vai apostar suas cartas fortemente nisso.” Como outros analistas internacionais, ele também prevê uma vitória pró-Rússia. Até porque, se o resultado for outro, Moscou fica desestabilizada na guerra e a Era Putin se aproxima do fim. “Ele já tem uma fragilização do apoio dentro do país. Tem gente fugindo para não ser convocado e, mesmo que a Rússia não seja um regime democrático, Putin precisa de apoio popular. Se ele não conseguir, pode colocar em risco seu governo de tantos anos”, diz Consentino. Moscou e São Petersburgo já iniciaram uma petição para pedir a renúncia do líder russo. Deputados de 18 municípios assinaram uma petição que dizia: “Nós, os deputados municipais da Rússia, acreditamos que as ações do presidente Vladimir Putin são prejudiciais ao futuro da Rússia e de seus cidadãos. Exigimos a renúncia de Putin do cargo de presidente”, escreveu Ksenia Thorstrom, deputada do distrito de Semenovsky em São Petersburgo.
Apesar das últimas movimentações, Lucena acha complicado avaliar se Putin está desacreditado dentro da Rússia. Porém, diz que sua perda de credibilidade é um fato. “Não temos como medir a popularidade porque o país é basicamente uma ditadura. Agora, quando você faz a convocação das pessoas para guerra e tem uma fuga em massa da população, mostra como há uma falta de vontade dos russos de apoiar a guerra.” O especialista também pontua que, a medida que o conflito avança, outras nações passam a criticar a Rússia. “Se Putin usar armas nucleares, vai ter na China um inimigo”, observa. Segundo ele, se os russos perderem o apoio de Pequim, Índia e Turquia, vai haver um colapso na economia. “Se esses países apoiarem Putin quando ele usar armas nucleares, eles destroem sua própria política interna.” Lucena conclui que esse movimento “é o mais alto blefe, porque ele [Putin] sabe as consequências, e até mesmo nações autoritárias não compactuariam com essa decisão”. Para ele, a Era Putin pode estar chegando ao fim. Mais do que isso, Putin também coloca em risco a unidade política da federação russa, porque ninguém sabe o que pode acontecer se o governo for destituído. “A gente está falando de uma autocracia. Não entendemos o que acontece com o isolamento da Rússia e o fim da guerra.”
Fonte: Jovem Pan