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Ataques à imprensa ganharam novas formas, diz Unesco

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Para diretora Marlova Noleto, maior parte do mundo convive com declínio na liberdade de imprensa A liberdade de imprensa ainda não é garantida em várias partes do mundo e, no Brasil, o cenário é preocupante diante do aumento de casos de ataques a profissionais e a veículos de comunicação. Quem afirma é Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora e representante, no Brasil, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Em entrevista ao Valor, ela aponta que globalmente as ameaças à liberdade de imprensa ganharam, nos últimos cinco anos, novas roupagens, que vão além de ações judiciais intimidatórias. Bloqueio de sites de notícias e de conteúdos, espionagem de jornalistas e até restrição de governos à internet ou às redes sociais têm sido mapeadas pela Unesco.

“Há sombrias evidências de que a atual oferta de jornalismo — que já era insuficiente para atender às necessidades em muitas sociedades — já não pode ser considerada como garantida”, afirma Marlova.

Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora representante da UNESCO

Claudio Belli/Valor

Apesar de o ambiente regulatório no Brasil ser semelhante ao de outros países em prol da proteção às liberdades de imprensa e de expressão, Marlova Jovchelovitch Noleto avalia que é possível avançar. De acordo com ela, dois projetos de lei em andamento na Câmara dos Deputados devem ser considerados.

Um deles [PL nº 2.378/2020] criminaliza como abuso de autoridade as condutas que impeçam ou limitem o livre exercício do jornalismo. O outro [PL nº 2.393/2020], aumenta a pena para agressões a jornalistas. Leia os principais trechos da entrevista:

Valor: Em que patamar estamos em termos de liberdade de imprensa?

Marlova Jovchelovitch Noleto: Em todo o mundo, mais de 85% das pessoas vivem em um país que experimentou um declínio na liberdade de imprensa nos últimos cinco anos. Cerca de 400 jornalistas foram mortos durante o mesmo período apenas por fazerem seu trabalho. São dados do “Relatório global 2021/2022 sobre tendências mundiais em matéria de liberdade de expressão e desenvolvimento da comunicação social”.

Valor: Quais violações à liberdade de imprensa têm sido identificadas pela Unesco?

Marlova: Há sombrias evidências de que a atual oferta de jornalismo – que já era insuficiente para atender às necessidades em muitas sociedades – já não pode ser considerada como garantida. Os últimos cinco anos testemunharam um aumento de outras ações que ameaçam os esforços globais para salvaguardar a liberdade de expressão e a universalidade da internet, para além do uso de ações judiciais intimidadoras. Serviços de notícias foram bloqueados na rede, jornalistas foram espionados ilegalmente e sites de comunicação social foram atacados. O “fechamento” da internet — quando os governos restringem o acesso à rede mundial, a redes móveis ou redes sociais em grandes áreas do território — atingiu um pico de 213 incidentes em 2019. Alguns governos também estão investindo na capacidade de “filtrar” e “estrangular” a internet, bloqueando certos tipos de conteúdo ou retardando o acesso, para desencorajar os usuários a procurarem informações na rede. Nos últimos cinco anos, os pedidos de governos para a remoção de conteúdo nas principais plataformas de internet duplicaram.

Valor: Há, na visão da Unesco, sinais de retrocesso no Brasil?

Marlova: O presente cenário é preocupante. O relatório mais recente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) aponta o aumento de 21,69% nos casos de ataques a profissionais e a veículos de comunicação, com pelo menos 230 profissionais envolvidos. Segundo esse relatório, as ofensas tiveram o maior registro de casos em 2021, com 53 ocorrências. Em seguida, estão as agressões, com 34 casos, e as intimidações, com 26 casos. Nas redes sociais, os ataques continuam sendo fortes e agressivos, com o relatório apontando o registro de cerca de 4 mil ataques diários, que incluem palavras de baixo calão e expressões depreciativas e pejorativas dirigidas à imprensa profissional e a jornalistas.

Valor: As jornalistas mulheres têm sofrido mais ameaças e ataques que os jornalistas homens?

Marlova: Sim. De acordo com o recente documento de discussão da Unesco sobre tendências globais da violência on-line contra jornalistas mulheres, 73% das profissionais entrevistadas disseram ter sido ameaçadas, intimidadas e insultadas on-line em razão de seu trabalho.

Valor: Qual é o impacto da pandemia sobre a liberdade de imprensa?

Marlova: A pandemia foi um duro golpe nas já enfraquecidas bases econômicas dessa importante indústria e acabou por intensificar uma tendência de declínio nas receitas publicitárias, na perda de empregos e no fechamento de redações. Além disso, a pandemia não impediu que violações à liberdade de imprensa ocorressem. Investigações do Varieties of Democracy (V-Dem) Institute constataram que as medidas tomadas contra a covid-19 justificaram violações significativas à liberdade de imprensa em todas as regiões do mundo, inclusive em 96 dos 144 países presentes no estudo de 2021. Ademais, conteúdos falsos relacionados à pandemia da covid-19 espalharam-se rapidamente nas redes sociais. Em setembro de 2020, por exemplo, circulavam no Twitter mais de 1 milhão de publicações com informações imprecisas, pouco confiáveis ou enganosas relacionadas à pandemia.

Valor: E o que foi feito para combater essas informações falsas?

Marlova: Nesse cenário, durante toda a pandemia, o jornalismo prestou um serviço essencial de linha da frente, que salvou vidas, informou o público e denunciou a onda de desinformação. Em março e abril de 2020, por exemplo, uma rede mundial de mais de 100 organizações de pesquisa e veículos de informação se uniu e denunciou cerca de 1,7 mil reivindicações falsas relacionadas à covid-19 por mês. Apesar de todas as dificuldades, as fontes de notícias confiáveis viram um aumento do número de leitores e telespectadores durante a crise global.

Valor: Como a senhora avalia o ambiente regulatório brasileiro para a garantia da liberdade de imprensa?

Marlova: De modo geral, está de acordo com o ambiente internacional. A Constituição de 1988 garante o estatuto da liberdade de expressão e salvaguarda a privacidade da fonte para os jornalistas. O acesso à informação foi regulamentado em 2011, com a Lei nº 12.527. No ambiente digital, o país tem o Marco Civil da Internet, de 2014, que reforça a liberdade de expressão e a privacidade on-line, além de estabelecer parâmetros para a neutralidade da rede. O Código Civil brasileiro, por sua vez, estabelece indenização por dano, difamação ou calúnia. No entanto, a difamação também é punível pelo Código Penal, que prevê pena de prisão de três meses a um ano e multa. A Unesco possui uma ampla gama de estudos e pesquisas, além de uma rede de especialistas e de estudos realizados em outros países, visando à troca de conhecimentos e experiências com o Brasil. Em termos de futuro, cito o Projeto de Lei nº 2.378/2020, atualmente na Câmara dos Deputados, que propõe regulamentar a liberdade de imprensa. A proposta criminaliza como abuso de autoridade ações para impedir ou limitar o livre exercício do jornalismo. Soma-se a isso, o Projeto de Lei nº 2.393/2020, que aumenta a pena para agressão a jornalistas. Atualmente, os legisladores e formuladores de políticas nacionais debatem novas mudanças na estrutura regulatória brasileira, que enfrenta novos desafios, como a regulação de conteúdo, o discurso de ódio e a desinformação.

Valor: Como ponderar a liberdade de imprensa nos meios digitais, em especial nas redes sociais?

Marlova: A internet trouxe inúmeros benefícios, mas também ampliou problemas que já eram conhecidos. Um deles é o discurso de ódio on-line. Para desenvolver respostas eficazes ao discurso de ódio, inclusive por meio da educação, é essencial monitorar e analisar melhor o fenômeno, com base em dados claros e confiáveis. Na era digital, isso também significa compreender melhor a ocorrência, a disseminação e o alcance do discurso de ódio on-line. Para não prejudicar a liberdade de expressão, o discurso de ódio deve ser visto como uma exceção. Caso contrário, pode-se cair em proibições que atentem contra o direito à liberdade de expressão, ou levar a um contexto no qual as pessoas deixarão de se expressar livremente por medo de serem penalizadas por isso. É importante ressaltar que o mundo virtual também é regido por leis, e nós devemos sempre nos basear nelas quando ponderamos a respeito da liberdade de imprensa.

Valor: Um recente relatório da Unesco, referente ao período de 2021 e 2022, apontou que o jornalismo está sob ataque como um bem público. Quais são as medidas a serem adotadas para reverter esse quadro?

Marlova: É necessária uma ação urgente de governos, sociedade civil e setor privado para reforçar o jornalismo de confiança e construir um ambiente mais favorável à viabilidade dos meios de comunicação social, respeitando os padrões de independência editorial e de liberdade de expressão. Sem isso, não será possível garantir nem expandir a oferta de jornalismo como bem público no conjunto cada vez mais diverso dos meios de comunicação. Os avanços tecnológicos devem ser sustentados pelo respeito à liberdade, pela privacidade e pela segurança dos jornalistas. As redes sociais devem fazer mais para combater a desinformação desenfreada e o discurso de ódio, ao mesmo tempo em que protegem a liberdade de expressão. A Unesco está firmemente comprometida com esses objetivos.

Valor: Como fazer isso?

Marlova : Para que o jornalismo funcione como um bem público, ele deve operar em condições viáveis em termos políticos e econômicos para produzir notícias e análises independentes, confiáveis e de alta qualidade. Atualmente, os tradicionais modelos de negócios de muitas instituições de comunicação social de todo o espectro estão em crise. Em âmbito global, as vendas de jornais continuam a diminuir. As organizações de notícias lutam para obter os cliques que determinam as receitas publicitárias, e muitas se veem ainda mais atingidas pelos algoritmos dos intermediários digitais. Diante dessas tendências, os jornalistas e seus aliados estão buscando ideias, técnicas e modelos operacionais inovadores para sustentar a viabilidade e a independência das notícias, tais como créditos fiscais e subsídios diretos, financiamentos filantrópicos, modelos sem fins lucrativos e modelos inovadores de financiamento. Algumas organizações também passaram a se concentrar mais em modelos de assinatura ou de associados para obter receitas diretamente do seu público. Redes internacionais, como o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), estão buscando maneiras de trabalhar juntos de forma mais eficiente. Vários esforços estão em andamento para desenvolver ferramentas de verificação de confiança on-line para leitores, plataformas e anunciantes, para melhor identificar e privilegiar fontes confiáveis. Embora nenhum plano ou solução seja suficiente em todos os contextos, nós podemos considerar uma série de abordagens e opções.

Fonte: Valor Invest

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