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Ucrânia x Rússia: o que são crimes de guerra e como acontecem os julgamentos?

No dia 30 de março, Erik Mose, um ex-membro da Suprema Corte da Noruega e do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, foi designado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para investigar se há crimes de guerra por parte da Rússia na Ucrânia. As atrocidades cometidas têm sido um dos assuntos mais comentados durante o conflito entre os dois países, que acontece desde o dia 24 de fevereiro. De um lado, ucranianos e líderes ocidentais, e até mesmo a própria Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), acusam as tropas russas de estarem cometendo crimes de guerra. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, chegou a chamar o presidente russo de criminoso. Por outro lado, Vladimir Putin também usa a mesma alegação e afirma que a Ucrânia está tendo atitudes incorretas no conflito, principalmente no ataque à região de Donbass, controlada por grupos pró-Rússia. Mas afinal, o que é e o que determina um crime de guerra?

Segundo especialistas ouvidos pela Jovem Pan, crimes de guerra são atos cometidos durante uma guerra direcionados a não combatentes e violam o artigo oitavo do Tribunal de Haia. Dentro dessa violência existem vários crimes que se encaixam no artigo, como: torturas, experiências biológicas, destruição de bens em larga escala, tomada de reféns, deportações forçadas, dirigir ataques a população civil, ataque a instalações humanitárias ou à Cruz Vermelha e ao Médicos sem Fronteiras, uso de armas químicas, destruição de patrimônios, etc. Na sexta-feira, 1, o prefeito de Mariupol, cidade mais devastada desde o início da invasão, informou que as autoridades estão trabalhando para garantir que a Rússia pague pela reconstrução da cidade e forneça pagamentos a todos os moradores. A professora de Relações Internacionais da ESPM Eveline Brigido explica que se ficar comprovado que os russos foram os responsáveis pela destruição do local, Putin pode sofrer “uma pena de multa para reparar o bem” tanto do patrimônio como reparo de danos à vítima”. Ela ressalta que o estupro – violência que tem sido constantemente relatada pelos ucranianos contra as tropas russas – também entra nas condenações. “Além de ser considerado crime de guerra, também é considerado crime contra a humanidade”, explica.

teatro de Mariupol

Se comprovado que a Rússia atacou o teatro em Mariupol, Putin pode ser julgado por crime de guerra; um dos vários cometidos, segundo os ucranianos

Determinar um crime de guerra é um processo que envolve investigação e apuração, por isso costuma demorar anos para que se conclua e haja um julgamento. “Se você consegue identificar que houve um crime, é possível fazer com que as pessoas que são acusadas respondam na Corte”, explica o analista de inteligência da FGV, Leonardo Paz. “Se consegue provar que houve bombardeio a hospitais ou escolas, seria comprovado que houve crimes de guerra”, acrescenta. Guilherme Thudium, presidente do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape), fala sobre a necessidade de haver um distanciamento histórico para conseguir abrir um processo. “Precisa ter especialistas que entrevistem principalmente testemunhas, civis e outras pessoas, para construir uma pesquisa e investigações do que aconteceu”, explica. A abertura de uma causa pode ser realizada de algumas formas: por meio de denúncia de um Estado, investigação do Tribunal Penal e solicitação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que pode autorizar uma intervenção militar – isso não aconteceu até agora porque a Rússia é membro do conselho e vetou essa resolução. Quando um caso de crime de guerra é aprovado e fica comprovado que as evidências são verídicas, o julgamento acontece exclusivamente pelo Tribunal de Haia. Tanto Paz quanto Eveline fazem questão de lembrar que as pessoas é que são julgadas, não os Estados.

Putin pode ser julgado por crime de guerra?

Há divergências nas respostas dos especialistas quando o assunto é esse. Para Leonardo Paz e Eveline Brigido, é muito difícil que isso possa acontecer. “Enquanto ele for líder da Rússia, a possibilidade de julgamento é bem baixa”, diz Paz. Ele lembra que essa complicação também tem a ver com o fato dos russos não serem signatários da Convenção de Roma. “Vamos supor que o governo russo acabe e o próximo governante assine o estatuto. Ainda assim, seria muito difícil”. Eveline concorda com ele. “Vejo com muita dificuldade o julgamento do Putin por ele ser chefe de Estado. Podem levar o caso a julgamento, mas acho improvável cumprir essa sentença, assim como o presidente do Sudão”, declarou. A professora de Relações Internacionais fala que até hoje um único presidente foi julgado e sentenciado, o ex-presidente da Libéria, Charles Taylor. Já Thudium acredita que há chances de um processo acontecer, mas ressalta que não será agora, mas sim no futuro. “Acho possível que em 10, 15 anos ele seja julgado. Mas a questão é: qual vai ser o alcance dessa decisão?”, afirma. O presidente da Isape ainda questiona se as punições vão chegar nele ou se vai ser uma norma que não será definitivamente cumprida.

Vale lembrar que no dia 7 de março, a Rússia não compareceu às audiências na Corte Internacional (CIJ), que tinha como objetivo buscar uma ordem de emergências para interromper as hostilidades na Ucrânia com a alegação de que a Rússia aplicou falsamente a lei de genocídio para justificar sua invasão. Na ocasião, o enviado ucraniano disse que “o fato de os assentos da Rússia estarem vazios fala alto. Eles não estão aqui neste tribunal: estão em um campo de batalha travando uma guerra agressiva contra meu país”. A Corte afirmou lamentar o não comparecimento da Rússia e um porta-voz da Embaixada russa na Holanda não respondeu a um pedido de comentário.

Entenda como o Tribunal de Haia atua

Vista da Corte Internacional de Justiça em Haia, na Holanda

O Tribunal de Haia é uma corte internacional criada em 1998, mas que entrou em vigor apenas em 2002. Ele tem como objetivo julgar crimes internacionais, sendo um deles o crime de guerra. Eveline Brigido explica que existem algumas formas de realizar as investigações contra supostas violações. A primeira delas é in loco, porém, se o país estiver em guerra, não tem como fazer. Então, há outras alternativas. Uma delas, nos tempos atuais, é nas próprias redes sociais, que têm sido constantemente utilizadas pelos ucranianos para mostrar tudo o que acontece desde a invasão russa. “As próprias pessoas que estão em guerra costumam fazer essa divulgação, hoje em dia é fácil ter acesso ao que está acontecendo”, diz a professora. Entretanto, apesar dessa ser uma aposta, Paz lembra que é em um conflito com tremenda divergência de informação. “Um fala uma coisa, outros falam outra. Só vamos saber se houve crime ou não quando o conflito acabar.” Thudium completa dizendo que, dessa forma, há margem para que a Rússia possa se defender, pois “se tudo o que ela está falando é verdade, então não cometeram crime de guerra”.

haia

 

Os especialistas explicam que Haia só julga após ter um conjunto muito grande de provas que indiquem que a ação foi contra a lei humanitária. Paz lembra que há um processo contra Jair Bolsonaro por genocídio. Apesar de o tribunal existir há 20 anos, até hoje apenas 28 casos foram julgados. O analista de inteligência fala que existem altos números de denúncias, porém, “baixo número de indiciamento”. Isso acontece, segundo Eveline, porque “não existe julgamento rápido e a parte jurídica não tem processo ágil”, por isso leva alguns anos para que o julgamento e condenação aconteçam. “Alguns são mais rápidos que outros”, acrescenta. Assim como em qualquer processo, as penas também variam de acordo com o crime. “As penas podem ser de multa, quando são crimes considerados mais leves como o de destruição patrimonial, ou vai ser uma pena em regime fechado em até 30 anos”, explica Eveline. Ela também relata que há chances de ter condenação com prisão perpétua, mas que pena de morte está fora de cogitação, porque é um método bastante controverso e muitos países não apoiam.

Relembre casos julgados pela corte internacional

Condenação Haia

Dos 28 casos julgados pelo tribunal, quatro deles são mais conhecidos. Thomas Lubanga, ex-líder da região de Ituri, na República Democrática do Congo, foi acusado de crimes de guerra por ter recrutado crianças para lutar. Segundo as alegações, meninos menores de 15 anos eram drogados e adestrados para se tornarem soldados. Já as meninas eram usadas como escravas sexuais. Ele foi condenado a 14 anos de prisão e cumpre a pena desde 2012. Outro processo emblemático foi o de Germain Katanga, um ex-militar, também do Congo, que foi julgado por crimes contra a humanidade e de guerra. Os atos foram em 2003, quando ele liderou um ataque a um povoado e causou a morte de 200 pessoas. Sua pena foi de 12 anos.

Outros dois casos que também ficaram conhecidos, foram o do ex-general do exército do Congo, Bosco Ntaganda, acusado de cometer 18 crimes, sendo contra a humanidade e de guerra, e condenado a 30 anos de prisão, e de Ahmad al-Faqi al-Mahdi, ex-membro do Anser Dine – um grupo fundamentalista islâmico do Mali ligado à Al-Qaeda. Ele se declarou culpado pela destruição de santuários sagrados em Timbuktu e foi condenado a 9 anos de prisão. O julgamento de Jean-Pierre Bemba, vice-presidente da República Democrática do Congo, também repercutiu. Ele tinha sido condenado por crime de guerra a 18 anos de prisão. Entretanto, foi absolvido após sua defesa alegar que houve problemas na primeira instância, colocando dúvidas sobre a legitimidade da sentença.

Tribunal penal

Fonte: Jovem Pan

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