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Ministério de povos originários é "avanço", mas outras questões indígenas preocupam Eloy Terena

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Para advogado e coordenador do Departamento Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas, temas como mineração em áreas indígenas e retomada da demarcação de terras precisam ser enfrentados O advogado indígena Luiz Henrique Eloy Amado, da etnia terena, classifica como um avanço a promessa do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de criação de um ministério dos povos originários. Lula também indicou a possibilidade que indígenas venham a comandar o setor de saúde indígena e a própria Funai.

Mas ao lado da expectativa de mudanças a partir do ano que vem, Eloy Terena, como o advogado de 34 anos costuma ser chamado, lembra nesta entrevista ao Valor que o novo governo terá temas complexos relacionados à pauta indígena para equacionar.

Um deles, recorrer talvez até ao Exército para dar cabo das invasões massivas de garimpeiros de ouro em territórios indígenas. Outro, retomar processos de demarcação de 17 terras indígenas que foram barrados logo no início do atual governo. E há ainda há a delicada e antiga discussão da regulamentação ou não da mineração em terras indígenas. “Nós vamos ter que conversar sobre isso”, diz.

Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito (UFF) e Pós-Doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris, Eloy Terena é coordenador do Departamento Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A Apib é uma das principais organizações do movimento indígena do país. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Qual a sua avaliação sobre a promessa de criação de um ministério dos povos originários no futuro governo Lula? Qual sua expectativa em relação aos efeitos práticos dessa nova pasta para os índios?

Luiz Henrique Eloy Amado Terena: Eu vejo como algo superimportante. Foi uma promessa de campanha, e a gente vê que está caminhando para ser cumprida. Pela primeira vez, os povos indígenas vão ter a atenção que merecem. Isso é uma cobrança que há muito tempo vem sendo feita por parte dos povos indígenas e também por pressões internacionais. E além disso, na gestão do presidente Jair Bolsonaro os povos indígenas foram muito maltratados. Isso é inegável. Foi o movimento social que mais fez o enfrentamento. Minha expectativa é que nós, indígenas, tenhamos o respeito que merecemos como povos originários. Existe uma dívida histórica. Mas mesmo com o ministério, vamos ter muitos desafios. O governo foi eleito com um campo amplo de apoios. E ali tem todos os tipos de interesses, inclusive interesses conflitantes aos nossos.

Valor: Ter uma ministra ou um ministro indígena e eventualmente uma presidente ou um presidente da Funai indígena fará diferença?

Eloy Terena: Com certeza. É uma reivindicação antiga do movimento indígena. Na primeira gestão do Lula o movimento indígena reivindicava a presidência da Funai. E hoje nós temos quadros para isso, até mesmo fruto da própria política ao ensino superior implementada por Lula na sua primeira gestão, muitos indígenas que tiveram acesso à cotas e ao ProUni hoje são advogados, antropólogos, professores nas mais diversas áreas, têm mestrado, doutorado, estão trabalhando. Então, hoje a gente vê que aquele investimento que foi feito lá abre caminho também para que indígenas passem a trabalhar nesses lugares estratégicos, e a Funai vai precisar de um olhar indígena sensível ao que vem dos territórios, um olhar que também tenha capacidade técnica. Nós temos uma demanda reprimida especialmente no que tange a demarcações de terras indígenas, muitas dessas demarcações estão paralisadas com base em expedientes jurídicos. Com vontade política é possível desatar esses nós.

Valor: Quantos são os pedidos de demarcação de terras indígenas que estão mais avançados?

Eloy Terena: Nós começamos a fazer esse mapeamento inclusive queremos apresentar para a equipe de transição coisas que podem ser feitas nos primeiros 100 dias de governo. Mas existem 17 terras indígenas que foram devolvidas pelo então ministro Moro [Sergio Moro, ex-ministro da Justiça] em 2019. São terras que estão em processo de demarcação, processos que estão maduros, que não têm nenhum empecilho judicial. Eram 12 terras prontas para serem declaradas e 5 para serem homologadas. Esse seria um bom gesto: de imediato resgatar esses procedimentos que foram devolvidos pelo então ministro Moro, numa decisão política. Mas a gente tem uma lista de “revogaços” na área indígena de atos administrativos que foram sendo assinados pelo presidente da Funai e que travaram vários procedimentos de demarcação, que fez com que a procuradoria saísse da defesa das terras indígenas em alguns processos. Esses atos podem ser revogados pelo próximo presidente da Funai. É uma questão de entendimento político. Então seriam movimentos que poderiam sinalizar, já no primeiro momento, que o governo veio para, de fato, fazer uma política indigenista diferente.

Valor: Quais são os principais ameaças sofridas por populações indígenas no país atualmente?

Eloy Terena: Existe uma situação muito precária vivida por povos indígenas que sofrem com invasão de garimpeiros de ouro. Estamos vendo isso nas terras dos índios ianomâmi, munduruku, kayapó. E tem decisão do Supremo Tribunal Federal mandando tirar os garimpeiros, o que não tem é vontade política. Então vamos precisar de um ministro, de um presidente da Funai que implementam isso porque será preciso não apenas apoio da Polícia Federal, mas também do Exército para retirar esses invasores. O que estamos vendo também é um movimento muito grande de apossamento. Grileiros se apossando de terras indígenas.

Valor: Terras não demarcadas?

Eloy Terena: Não demarcadas, mas que já estão minimamente identificadas, onde se sabe que é terra indígena. E o próximo presidente da Funai precisa revogar a Instrução Normativa número 9 de abril de 2020, que tem facilitado os grileiros regularizarem posses em áreas indígenas.

Valor: Sobre a regulamentação de um tema polêmico previsto na Constituição, que é a mineração em terra indígena, um tema muito defendido pelo governo Bolsonaro. Defensores da ideia repetem constantemente exemplos de alguns países, sobretudo o do Canadá, onde populações indígenas participam dos ganhos e da própria gestão de atividades econômicas em suas terras. No Brasil essa questão provoca alguma divergência entre lideranças indígenas ou há uma posição fechada contrária à abertura para a mineração?

Eloy Terena: A grande maioria se manifestou contra. Esse é o PL 191, do governo Bolsonaro, e que foi enviado para o Congresso em 2019. A grande questão é que isso foi feito sem consulta e sem discussão com movimento indígena. E tenta, por meio dessa proposição, abrir os territórios indígenas para uma exploração avassaladora. O que nós estamos vendo é que os garimpos destroem as comunidades, então as comunidades são contra esse tipo de garimpo e de mineração em terras indígenas. Claro, a discussão nunca foi feita junto com o governo. Mas o que nós temos é que muitas comunidades não querem porque o garimpo traz destruição, traz mortes, traz contaminação por mercúrio, além da questão da criminalidade. Então esse, eu acho, que também vai ser um dos grandes desafios para o próximo governo, porque tem interesse muito grande nesses territórios por parte de empresários de mineração. Nós reconhecemos que tem indígenas que defendem a mineração em terras indígenas. Mas é um número bem menor. É importante deixar claro que a Constituição não regularizou esse tema porque, na época, não houve acordo. É um tema delicado e o próprio projeto de lei 191 foi enviado pelo governo Bolsonaro sem debate com ninguém. Eu acredito que em algum momento, de fato, nós vamos ter que conversar sobre isso. Lógico que respeitando os princípios constitucionais, tem que ter consulta, tem que garantir a oitiva das comunidades envolvidas, tem que garantir a participação nos resultados. Mas ainda é um tema muito sensível e vai ser sensível pela própria experiência que tivemos no primeiro governo Lula que implementou Belo Monte sem respeitar a consulta aos indígenas. Existe sempre essa desconfiança em relação ao governo e em relação às empresas devido à experiência histórica ruim com o Estado e com as empresas.

Valor: Qual é o legado que o governo Bolsonaro deixa para a população indígena?

Eloy Terena: Foi um período em que mais sofremos violações. Mortes, ataques, atos de racismo. Foi um momento em que fomos vistos como inimigos do governo e essa carga moral, essa carga política, foi sentida por todos os indígenas.

Fonte: Valor Invest

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