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Na organização do trabalho, a regra agora é não ter todas as respostas

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A reorganização do trabalho pós-pandemia trouxe novos dilemas para os quais os gestores ainda buscam soluções No ano em que começamos uma volta a um cenário mais próximo ao que conhecíamos antes do início da pandemia com a reabertura, mesmo que parcial, de escritórios, a retomada dos eventos corporativos e viagens, os desafios para a liderança ganharam novos contornos. O cenário econômico e político incerto já não é a única variável a tirar o sono do alto escalão. É preciso encontrar um caminho para acomodar e incluir uma força de trabalho que voltou diferente, seja porque sofreu traumas emocionais provocados pela covid, porque descobriu vantagens no home office ou ainda porque não quer mais trabalhar com o que não lhe faça mais sentido.

Nessa reorganização do trabalho e dos negócios existem hoje “menos convicções e mais hipóteses”, observa o professor Felipe Monteiro, que ensina estratégia na escola de negócios francesa Insead. Ele assinala que cabe ao líder atual ser capaz de reagir e reajustar sua empresa para lidar com um ambiente externo global imprevisível e com os desafios da própria gestão que tende a ser cada vez mais descentralizada nas organizações.

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Não ter todas as respostas agora faz parte do jogo. Os 24 Executivos de Valor eleitos este ano, em sua grande maioria, admitem que não há ainda um modelo único e definitivo de sucesso para o trabalho neste momento e que é preciso estar aberto para testar e, se for preciso, voltar atrás. Eles dizem também que temas como saúde mental, flexibilidade, bem-estar, propósito e retenção de talentos devem estar em suas próprias agendas e das companhias que comandam.

“Ninguém está isento de ter um burnout”, adverte Edu Lyra, CEO da ONG Gerando Falcões. Ele conta que já teve casos em sua equipe e que todos em sua organização estão tendo que aprender a lidar com essa questão. “É necessário cuidar de quem cuida, e cabe aos líderes dos times compreender e fazer concessões”, afirma. Lyra diz que procura recarregar a própria bateria para poder ajudar os demais. Faz isso de várias maneiras, uma delas é pedalar 30 km por semana e realizar um treino de fortalecimento. Mas que sua missão, a família e a fé também o ajudam.

Felipe Monteiro, professor do Insead: hoje há menos convicções e mais hipóteses

Divulgação

Em um estudo realizado pela consultoria BTA com mais de 500 executivos brasileiros de grandes empresas aplicado ao longo da pandemia e revalidado este ano, 88% disseram estar enfrentando a maior crise de suas vidas. “A competência gestão emocional está sendo exigida em um nível no qual alguns acreditam que não foram treinados para exercer”, diz a consultora Betania Tanure.

“A saúde mental precisa entrar na agenda de forma clara, transparente, não é um tabu, é uma realidade que está aumentando e a empresa precisa entender e oferecer apoio”, diz João Alberto de Abreu, presidente da Rumo. Ele conta que vem dormindo mais, se alimentando melhor e praticando esportes. O maior contato com os filhos proporcionado nesses dois anos de pandemia também tem ajudado. “Me protegi reforçando essas coisas que são minha válvula de escape”, conta. Metade dos executivos premiados este ano disse estar fazendo exercícios físicos ou praticando algum esporte.

Para Walter Schalka, presidente da Suzano, é preciso olhar para a questão da saúde mental com uma perspectiva de futuro. “As empresas ganharam produtividade na pandemia, mas em muitos casos foi à custa da saúde mental dos trabalhadores, o enclausuramento fez muito mal”, afirma. “É preciso olhar qual vai ser o papel da empresa e da sociedade para ajudar a reduzir o burnout.”

Com 19 mil funcionários na América Latina, Fernando Yunes, vice-presidente sênior e líder do Mercado Livre no Brasil, conta que, além de oferecer telepsicologia gratuita (54% dos executivos premiados disseram que suas empresas incluíram algum tipo de apoio psicológico para os funcionários), ioga, meditação, ginástica funcional e palestras sobre alimentação saudável e autoconhecimento, o que tem feito diferença na gestão de pessoas foi a criação de momentos de escuta mais estruturados. “Queremos ouvir os colaboradores e entender quais as oportunidades de cocriação de soluções.”

A competência da escuta ativa não é nova e há muitos anos vem sendo ensinada para os líderes, enfatiza a consultora Vicky Bloch, da Vicky Bloch Associados. “Isso significa escutar de uma forma respeitosa, e não ouvir o funcionário enquanto responde uma mensagem no WhatsApp. É preciso olhar para quem fala, entender o outro de uma forma verdadeira.” Daniela Manique, CEO da Solvay, conta que, na pandemia, sua empresa acompanhou o estado de espírito dos funcionários por meio de pesquisas periódicas (pulse). Observar as pessoas nos momentos mais críticos, segundo ela, foi essencial para guiar as ações de acompanhamento psicológico. Ela cita o exemplo de um acidente envolvendo um profissional com 20 anos de experiência. “Procuramos entender o que havia acontecido e descobrimos que ele estava abalado com a situação crítica de saúde de sua irmã na UTI.” Alexandre Birman, CEO da Arezzo, diz que, depois da pandemia, a empresa ficou atenta às possíveis sequelas emocionais entre líderes e funcionários. “Para lidar com esses traumas, criamos comitês voltados à saúde e qualidade de vida”, cita.

Construir um ambiente seguro na organização, onde todos se sintam à vontade para trazer questões pessoais é um desafio que precisa ser enfrentado no cenário atual. Andrea Salgueiro, presidente da Whirlpool, defende o que chama de conversas honestas. “Acredito em ir direto ao ponto, ser transparente”, explica. Incentivar que os líderes deem feedbacks aos times, para Fabio Zanfelice, da Auren Energia, é também uma forma de reduzir a ansiedade e endereçar rapidamente os problemas relacionados a pessoas.

Vicky Bloch, consultora: o problema do trabalho remoto é que o dia precisa ter um fim

Silvia Zamboni/Valor

Incluir a diversidade em todas as suas representações, de gênero, racial, identidade sexual e de opiniões, é outro tema que vem sendo cada vez mais cobrado dos CEOs. Assim como questões relacionadas ao meio ambiente, temas sociais e de governança, práticas representadas pela sigla ESG. “Temos treinado as nossas lideranças sobre isso dividindo nossos objetivos e mostrando a eles como queremos ser”, explica Francisco Gomes Neto, presidente da Embraer.

Essa pauta vem sendo trabalhada também nos conselhos de administração, que têm tido uma atuação mais próxima aos CEOs nesta agenda, impulsionados pela pressão de investidores e da própria sociedade. Temas de gestão de pessoas que vão além da remuneração, como a manutenção e desenvolvimento de talentos, sucessão e os novos modelos de trabalho, vêm ganhando espaço nos colegiados, segundo a conselheira Leila Loria, certificada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Esse movimento, segundo ela, pode ser percebido pelo surgimento de mais comitês de recursos humanos nos boards.

Na verdade, a mudança de comportamento pós-pandemia ocorreu em todos os níveis da empresa e foi além do abalo emocional. Em especial aqueles profissionais que puderam viver uma experiência remota nos primeiros anos da pandemia, passaram a refletir sobre o papel dos escritórios, dos encontros presenciais e a querer maior autonomia e flexibilidade para equilibrar o trabalho e a vida pessoal. Os gestores diretos, por sua vez, também tiveram que mudar seu modo de agir. “Na gestão remota foi preciso ter mais confiança, accountability, é uma grande mudança”, ressalta Monteiro, do Insead.

O chamado “trabalho de qualquer lugar” passou a ser defendido por profissionais em áreas onde é possível apenas conectar o computador para começar a trabalhar. Foi o caso da tecnologia. Com a aceleração da digitalização dos negócios nos últimos anos, os profissionais da área passaram a ser disputados por companhias de todos os setores e têm levado muitos CEOs a refletirem sobre o papel do home office e do teletrabalho em suas companhias. “Conduzimos uma pesquisa em 2020 e 70% das pessoas já diziam que não queriam voltar mais para o escritório. Em 2021, esse percentual subiu para 78%”, conta Joel Dutra, coordenador do programa de estudos em gestão de pessoas da FIA. Para ele, tudo indica que o caminho para manter uma mão de obra qualificada, hoje escassa no país, é incorporar o trabalho híbrido, com parte do tempo na empresa e parte no home office. “A questão é que, até então, esse modelo foi realizado de forma improvisada e por necessidade, agora é preciso rever o contrato psicológico e preparar a liderança para ele.”

Leonardo Framil, da Accenture: não adianta impor modelos com mão de ferro

Julio Bittencourt

Tânia Cosentino, presidente da Microsoft, diz que a empresa optou por um modelo híbrido de trabalho e que lá a recomendação é que cada um entenda o que mais se adequa à sua função. Em um estudo de tendências realizado pela Microsoft este ano com 31 mil pessoas, em 31 países, 39% dos trabalhadores híbridos na América Latina disseram que seu maior desafio era saber quando e por que ir até o escritório. “Muitos não querem voltar e isso é preocupante, mas é possível reverter essa situação pesquisando o que os colaboradores gostam mais ou menos no escritório”, diz Cosentino. “Não vale a pena ir para o escritório para ficar em uma salinha de videoconferência das 8h às 18 h, a menos que as condições de conforto e conectividade sejam ruins em casa.”

Para André Clark, CEO da Siemens Energy, existem momentos em que o líder tem que chamar seu time para conversar presencialmente, mas esse espaço de conversa está mudando. “Vejo hoje que a equipe prefere conversar no jardim”, diz. Ele defende o modelo híbrido, mas desde que a chamada presencial seja para momentos significativos. Antonio Joaquim de Oliveira, presidente da Dexco, que adotou o modo de três dias fixos na empresa e dois em que o profissional pode trabalhar de casa, ressalta que a legislação no Brasil ainda precisa se adequar ao novo formato, porque no momento ela só atende ao modelo remoto ou presencial e não à mescla dos dois. “Acho muito importante o presencial para que os jovens construam a carreira e conheçam a companhia”, acredita.

Na Gupy, especializada em recrutamento on-line, que nasceu em 2015 já com todos trabalhando remotamente, a CEO Mariana Ramos Dias acredita que o modelo ideal de trabalho deve ser buscado de acordo com o perfil dos profissionais. Os 650 funcionários da startup hoje trabalham a distância, mas ela acredita que o presencial ajuda a criar conexões humanas e, por isso, tem oferecido escritórios flexíveis a eles em vários pontos do país e, em breve, deve abrir um escritório com sede em São Paulo “para encontros quando for necessário”.

Após dois anos e meio atuando remotamente por conta da pandemia, Cristina Junqueira, CEO do Nubank, conta que o banco optou por reabrir o escritório para seus 7 mil funcionários no formato híbrido. “Acreditamos na força das conexões presenciais para manter a cultura colaborativa, ao passo que a rotina que se formou com o trabalho remoto também tem suas vantagens”, explica. Ela diz que, para atuar no modelo híbrido, reforçou os rituais internos e o treinamento das lideranças.

Segundo André Dias, CEO da Nutrien, sua empresa fez o inimaginável de forma remota. “Contratamos, treinamos, adquirimos e integramos empresas, criamos e implementamos a nossa cultura corporativa”, explica. No entanto, ele diz que seu negócio é uma atividade essencial, que não pode parar e requer que a equipe fique no campo, em contato direto com o agricultor. Por esta razão, considera a experiência remota um caminho, mas não é uma resposta para tudo.

No Magalu, o diretor-presidente Frederico Trajano diz que o trabalho remoto é eficiente em sincronizar times e tarefas, mas que, em empresas tão relacionais e com uma cultura forte como a que comanda, o contato presencial é fundamental. “Hoje somos um híbrido mais presencial. Abrimos quatro dias por semana e recomendamos que as pessoas venham três vezes”, explica.

“Não adianta determinar modelos com mão de ferro, várias empresas estão retrocedendo e sendo inteligentes em testar sem definir respostas”, diz o presidente da Accenture para a América Latina, Leonardo Framil. “É preciso definir a partir do aprendizado e depois escalar”, recomenda. Carolina Utimura, CEO da Eureca, consultoria de RH especializada em juventudes, trainees e estagiários, diz que a efetividade depende mais da liderança. “Um dos problemas do trabalho remoto é que o dia precisa ter um começo e um fim”, exemplifica. A consultora Vicky Bloch alerta que o início da sobrecarga está na ganância, em querer ter o maior ganho. “É responsabilidade do CEO fazer baixar essa pressão”, alerta.

Criar maior flexibilidade para a realização do trabalho é uma demanda de todas as gerações e se tornou uma ferramenta importante para a atração e manutenção dos talentos. Na Gerdau, o CEO Gustavo Werneck diz que, na pandemia, a companhia atualizou sua cultura corporativa, reforçando um ambiente de trabalho em uma estrutura mais horizontal. Ele conta que o home office ganhou maior flexibilidade para os funcionários administrativos. “Avançamos na flexibilização com a possibilidade de não exclusividade para que eles possam atuar em outras funções além da Gerdau e com a jornada reduzida em 10% e 20%, por escolha do colaborador.”

Para manter os melhores profissionais hoje é preciso oferecer novos arranjos, customizar benefícios e olhar para o funcionário de uma maneira mais integral. “As pessoas também querem ser felizes fazendo aquele tipo de trabalho”, lembra Alexandre Gonçalves da Silva, presidente do conselho de administração da Embraer. Fabien Mendez, CEO e cofundador da Loggi, diz que uma das estratégias que usa para atrair e reter profissionais de tecnologia é focar em pessoas com sede de aprendizado e vontade de trabalhar com diferentes temas, ao invés de buscar por pessoas com conhecimentos técnicos específicos.

“O salário talvez esteja em terceiro lugar como motivo de atração de profissionais, o segundo é o propósito e o primeiro é o ambiente com perspectiva de crescimento”, acredita Teresa Vernaglia, presidente da BRK Ambiental. A retenção de talentos, para ela, acontece quando se estabelece um ambiente de trabalho saudável com regras claras de avaliação de desempenho, promoção e valorização profissional.

Um ambiente de trabalho saudável, segundo Jeane Tsutsui, presidente do Fleury, promove o acolhimento e o senso de pertencimento. “Isso acaba refletindo na qualidade da prestação de serviços ao cliente”, afirma. Eduardo Giestas, CEO da rede Atlantica Hospitality International, lembra que, pela natureza do seu negócio, o contato humano é parte da entrega e da operação. “Não acredito que se construa uma cultura organizacional em home office. Não se constrói confiança e criatividade sem potencializar as relações presenciais”, acredita.

Para o CEO da Ânima, Marcelo Bueno, “as interações, independentemente de serem presenciais ou por meio de tecnologias, terão que ser mais humanizadas”. Betania Tanure ressalta que é preciso criar novos mecanismos e não transpor os rituais presenciais para o virtual. “Tivemos que deixar a arrogância, o poder, o escritório e a gravata no home office. Aprendemos com as nossas ações a confiar no olhar coletivo e no feedback para saber se a mensagem chegou para o outro como gostaríamos”, lembra Clark, da Siemens Energy. Para o professor Joel Dutra, não há mais como voltar para 2019. “Sem perceber, aprendemos muito sobre como trabalhar de uma forma diferente. Agora é preciso tomar consciência dessas lições e ir adiante”, conclui.

Fonte: Valor Invest

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